Após três conferências climáticas nas quais as discussões sobre pontos cruciais para o enfrentamento ao aquecimento global andaram em círculos, eram grandes as esperanças depositadas na COP30, evento encerrado no sábado 22 em Belém do Pará. A expectativa geral era de que a disposição demonstrada pelo Brasil, país anfitrião, em se colocar na vanguarda do processo de adaptação às mudanças climáticas, assim como a condução pretendida pela presidência da conferência para temas como desmatamento, combustíveis fósseis e financiamento, criaria o ambiente propício para um encaminhamento prático das metas estabelecidas pelo Acordo de Paris e abordadas de forma apenas tangencial nas reuniões anteriores.
A esperança de que a agenda climática voltasse aos trilhos deu ao evento realizado na capital do Pará o apelido de “COP da Implementação”. Após duas semanas de discussão, o fim da conferência foi, no entanto, frustrante e repetiu o surrado roteiro de belas intenções, promessas vagas, metas insuficientes e impasses políticos intransponíveis.
Apesar do esforço do Brasil, que incluiu uma segunda passagem do presidente Lula por Belém, não há na declaração final nenhuma menção aos combustíveis fósseis ou ao desmatamento. Também ficaram de fora compromissos em relação ao financiamento a projetos de adaptação, além das novas metas de redução das emissões, conhecidas como NDCs, por um grupo considerável de países. A obrigação de que a declaração fosse fruto do consenso, aliada à diversidade de interesses políticos e econômicos dos países envolvidos, travou qualquer avanço em temas considerados cruciais.
“Estamos em uma encruzilhada”, lamentam cientistas e ambientalistas
Como atenuante, a presidência da COP30 comprometeu-se a estabelecer, nos próximos meses, um “mapa do caminho” para o abandono dos combustíveis fósseis. A discussão rachou a conferência, com 82 dos 195 países aderindo à proposta brasileira de incluir o tema na declaração final. A iniciativa acabou bloqueada pelo grupo conhecido como LMDC, liderado pela Arábia Saudita e formado por outros países dependentes de petróleo e gás, entre eles Índia e China. Depois de dias de discussão semântica sobre “saída acelerada” ou “saída progressiva”, nenhum dos termos foi incluído. “Sabemos que muitos de vocês tinham mais ambição e que a sociedade vai exigir mais. Precisamos de mapas para que possamos superar a dependência dos fósseis de forma ordenada e justa”, afirmou André Corrêa do Lago, presidente do evento, durante a plenária de encerramento. O embaixador brasileiro ressaltou que o trabalho do País à frente da agenda climática está apenas no começo. “Ainda teremos 11 meses de presidência para construir esse mapa do caminho.”
Lula atuou em vão para incluir o tema na declaração final. “O Brasil quer mostrar que é possível construirmos isso de forma conjunta. Os combustíveis fósseis emitem muitos gases de efeito estufa e precisamos pensar em uma forma de viver sem eles. Digo isso sendo de um país que extrai 5 milhões de barris de petróleo por dia, mas que também produz etanol e tem 87% de sua energia elétrica limpa.”
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva afirmou, por sua vez, que “sonhávamos com muito mais”, antes de mencionar os esforços brasileiros. “Não foi possível o consenso, mas o apoio que as propostas receberam de muitos países e da sociedade de um modo geral fortalece o compromisso da presidência do Brasil na COP30 para se dedicar à elaboração dos dois mapas do caminho. É preciso deter e reverter o desmatamento e também ultrapassar a dependência dos combustíveis fósseis de forma ordenada e justa.” Apesar do discurso, o governo brasileiro anunciou dias antes da COP30 a concessão da licença para testes de exploração de petróleo e gás na Margem Equatorial, e durante a conferência confirmou a inclusão de mais 275 blocos na carteira de ofertas da Agência Nacional de Petróleo.
Alguma coisa. O fundo de preservação das florestas tropicais atingiu 60% da receita – Imagem: iStockphoto
A comunidade científica e organizações ambientalistas lamentaram o teor da declaração final. Um alerta elaborado por cientistas e entregue aos governantes afirma que “estamos em uma encruzilhada planetária” e que será preciso escolher entre “proteger as pessoas e demais formas de vida ou proteger a indústria de combustível fóssil”. Em referência ao incêndio na Blue Zone (espaço oficial das negociações) que assustou os delegados do encontro, o documento afirma que os líderes planetários “parecem ignorar que, ao contrário dos pavilhões da COP, não podemos evacuar o planeta Terra quando desastres acontecem”. Os cientistas pedem pressa e afirmam a necessidade de zerar as emissões até 2045. “Isso significa que não haja nenhum outro investimento em combustíveis fósseis, responsáveis por 80% das emissões, além da remoção de todos os subsídios e da adoção de um plano global de energias renováveis.”
Pesquisador da USP e conselheiro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, o cientista brasileiro Carlos Nobre, um dos signatários, critica: “O documento final deveria ter uma declaração de que todos os países vão acelerar a redução do uso de combustíveis fósseis. E também o reconhecimento de que bilhões de pessoas estão vulneráveis a todos esses eventos que já estão acontecendo, não são uma coisa para o futuro”. Na avaliação de Nobre, um dos organizadores do Pavilhão de Ciências Planetárias em Belém, “a COP30 foi importante, mas esperávamos que fosse bem mais”.
Segundo Marina Hirota, cientista do Instituto Serrapilheira e também signatária do documento, a inclusão da eliminação gradual dos fósseis é fundamental para a manutenção da vida no planeta. “Caso as promessas continuem a ser apenas promessas sem implementação, vamos começar cada vez mais a sentir os impactos socioeconômicos e as perdas e danos recorrentes dos eventos extremos. É fundamental que isso seja considerado de forma urgente e com equidade.”
Integrante da coordenação do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável (FBOMS), Maurício Laxe lamenta que, além de os fósseis não estarem colocados no texto final, os mecanismos para adaptação também não avançaram. “Outras questões como transferência de tecnologia, educação, participação social e economia sustentável não são nem basicamente tratadas.” A “razão maior” de os fósseis não entrarem no documento oficial, acredita, é o fato de parte dos maiores produtores de petróleo serem ditaduras ou até mesmo teocracias. “O poder está nas mãos de poucas pessoas, justamente pela força econômica do petróleo.”
Dos 195 países, 122 apresentaram novas metas de redução de emissões
O ponto mais comemorado da declaração final foi a adoção do Objetivo Global de Adaptação, conjunto de indicadores que medirão o quanto os países avançaram na tarefa de se preparar para os efeitos das mudanças climáticas em pontos como saúde, agricultura e saneamento básico, entre outros. Mesmo sendo apenas um mecanismo de medição e monitoramento, a proposta, após pressões variadas de diversos países, foi desidratada e manteve apenas 59 itens dos cem iniciais.
O anúncio de novas NDCs também deixou a desejar. Apenas 122 dos 195 países presentes entregaram suas novas metas de redução voluntária de emissões. O impasse prevaleceu no financiamento de projetos de adaptação climática nos países mais pobres, discussão abandonada pela União Europeia em represália àqueles que se opuseram à redução de combustíveis fósseis. O mapa B2B, apresentado pelos governos do Brasil e do Azerbaijão em paralelo à declaração oficial, sugere caminhos para se chegar ao 1,3 trilhão de dólares em recursos, valor estimado como necessário pela própria ONU. Na declaração oficial, a meta mais palpável cita, porém, um fluxo anual de 120 bilhões de dólares em financiamento até 2035.
Em relação ao combate ao desmatamento, o maior avanço foi a criação do fundo para a preservação de florestas tropicais, que, com o aporte de 1 milhão de dólares anunciado pela Alemanha durante a COP30, chegou ao montante de 6,7 bilhões, valor próximo dos 10 bilhões desejados para o primeiro ano de existência. “Belém evitou a implosão do Acordo de Paris, hoje a única coisa a nos separar de um mundo três graus mais quente. Os resultados fracos da COP30, que precisou encontrar fora da agenda oficial suas vitórias políticas, comprovam o esgotamento do modelo de decisões por consenso e impõem a necessidade de reforma das COPs”, avalia Claudio Angelo, coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima. •
Publicado na edição n° 1390 de CartaCapital, em 03 de dezembro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Vitória da inércia’
