Domingo de sol. Em Teerã, os cafés lotados; em São Paulo, as esquinas coloridas. Há batuque no Largo da Batata e buzinas na Praça Enghelab. A distância é enorme, mas o som é o mesmo: um coro de vozes celebrando o futebol.
No Irã, as ruas se enchem de crianças chutando bola com camisetas improvisadas. No Brasil, é quase um ritual: churrasco, televisão ligada, amigos reunidos. Mas há um detalhe que torna esse dia diferente. Para o Irã, não basta apenas treinar e sonhar com a Copa.
Nos bastidores, as portas se fecham. Desde o conflito de 12 dias e o ataque israelense, alguns países têm recusado amistosos com a seleção iraniana.
O argumento “oficial” é segurança. A verdade, todos sabem, é política. E política, quando invade o futebol, tira um pouco da magia que faz o esporte ser o que é.
O Brasil conhece bem o peso de decisões tomadas a milhares de quilômetros de distância. Já passou por sanções veladas, por pressões comerciais e por interferências externas que mexeram com sua economia e sua imagem.
O Irã, por sua vez, vive há décadas sob sanções explícitas: bloqueios bancários, proibições de exportar ou importar certos produtos, dificuldade até para comprar medicamentos. E, assim como o Brasil já viu presidentes estrangeiros opinarem sobre sua política interna, o Irã também é alvo constante de discursos e decisões que vêm de fora.
Na era Trump, essa realidade ficou mais clara. Os dois países sentiram na pele que existe um “clube fechado” decidindo quem pode jogar o jogo — e quem vai assistir do lado de fora. É justamente esse sentimento que aproxima Teerã e Brasília.
Futebol é arte, mas também é geopolítica. Não é por acaso que líderes mundiais aparecem sorrindo em estádios, ou que seleções sejam recebidas com honras de Estado. O campo de futebol pode ser mais persuasivo que qualquer sala de negociação.
A “diplomacia do pingue-pongue” entre EUA e China, nos anos 1970, mostrou como um simples intercâmbio esportivo pode reconfigurar relações internacionais. Na África do Sul, o título de 1995 no rúgbi foi usado como símbolo de reconciliação pós-apartheid. No Oriente Médio, amistosos entre israelenses e palestinos tentaram criar pontes onde a política só via muros.
E o Brasil? Desde Pelé até Neymar, passando por Zico, Romário e Marta, o país construiu uma imagem de anfitrião generoso, capaz de transformar qualquer partida em espetáculo global.
O Brics foi criado para ser uma alternativa à ordem mundial dominada pelo G7. Hoje, reúne Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Irã, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Indonésia, com outros países interessados em se juntar. Sua força está na diversidade e no tamanho de suas economias, mas também no potencial cultural.
Se o bloco quer mostrar que é mais do que números e cúpulas diplomáticas, precisa ocupar espaços que toquem a vida das pessoas. E nada toca mais corações, em todos os continentes, do que futebol.
O projeto é simples: criar um calendário fixo de amistosos entre as seleções dos países-membros, realizados em sedes alternadas ou neutras, sempre em datas Fifa.
Entre os benefícios imediatos estão a preparação técnica de alto nível para todas as equipes, sem barreiras políticas; a integração cultural entre torcedores, com festivais gastronômicos, shows e feiras culturais nas cidades-sede; e a projeção global do Brics como um bloco que promove a paz por meio do esporte.
Imagine um torneio curto no qual o Brasil enfrenta o Irã no Maracanã; a Índia joga contra a África do Sul no FNB Stadium; e Rússia encara a China no Estádio Luzhniki. Transmissão ao vivo para todo o planeta.
Pouca gente no Brasil sabe, mas a cultura de arquibancada no Irã é tão apaixonada quanto aqui. No Estádio Azadi, em Teerã, a energia antes de um jogo decisivo lembra muito o clima do Maracanã em finais históricas. A diferença é que, por questões políticas, muitas vezes torcedoras precisam lutar pelo direito de estar lá. Quando isso acontece, a emoção dobra.
Unir essas duas culturas num único estádio seria criar uma experiência única para o mundo do futebol.
Se o Brics conseguir lançar os Amistosos Brics, o impacto irá além das quatro linhas. Para o Brasil, seria uma chance de reafirmar seu papel como líder não só na diplomacia tradicional, mas também na diplomacia cultural.
Para o Irã, seria a oportunidade de mostrar um rosto diferente ao mundo — o de um país que ama esporte e quer competir de forma justa.