Os anos 1970 foram uma época empolgante para a liberdade de expressão nos Estados Unidos. Após a repressão do macarthismo nos anos 1950, que arruinou milhares de carreiras devido a associações com o Partido Comunista Americano, os anos 1960 trouxeram uma abertura social. Em 1966, os tribunais reverteram a última tentativa de censurar uma obra literária — Almoço Nu, do escritor beat William S. Burroughs.
Em Brandenburg v. Ohio (1969), a Suprema Corte decidiu que discursos que defendem condutas ilegais são protegidos, a menos que incitem ação ilegal iminente e sejam prováveis de produzi-la. Em 1973, Miller v. California legalizou a pornografia hardcore sob padrões que permanecem em vigor até hoje, uma decisão que dividiu setores da esquerda.
Lembro-me vividamente da decisão da Suprema Corte em 1977 no caso National Socialist Party of America v. Village of Skokie, que permitiu que neonazistas da minha cidade natal, Chicago, marchassem em uniformes nazistas por Skokie, um subúrbio predominantemente judeu e lar de milhares de sobreviventes do Holocausto.
Em 1978, outro evento que recordo da minha juventude foi a fundação da North American Man/Boy Love Association (NAMBLA), um grupo que usou a Primeira Emenda para justificar a publicação de guias para homens sobre como seduzir meninos pré-púberes. A União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU), conhecida por defender ativistas dos direitos civis e manifestantes contra a guerra nos anos 1960, usou sua defesa da NAMBLA para advogar pelo “absolutismo da liberdade de expressão”. Esse conceito ganhou força entre celebridades hippies como Allen Ginsberg e libertários de direita alinhados aos republicanos.
O libertarianismo de direita (ou libertarianism, no sentido americano) emergiu nos anos 1970, quando o bilionário do petróleo Charles Koch fundou o Cato Institute para popularizar a economia monetarista entre os jovens. Com amplo financiamento, o Cato vinculou teorias ultraliberais de economistas como Ludwig von Mises e Friedrich Hayek a uma defesa quase evangélica da liberdade individual, incluindo a legalização da maconha e o absolutismo da liberdade de expressão. Nos anos 1980, com a ascensão de Ronald Reagan, o libertarianismo de direita se tornou uma das tendências internas mais populares do Partido Republicano.
Essa época popularizou o clichê: “Discordo do que você diz, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-lo”. Ex-hippies e conservadores, inflados com o excepcionalismo americano, agiam como se os EUA—que haviam parado de banir livros apenas 15 anos antes—fossem a capital mundial da liberdade de expressão. A Primeira Emenda, que não protegeu obras de autores como Mark Twain até quase 200 anos após sua adoção, foi aclamada como prova da grandeza da América. Essa narrativa foi incorporada à propaganda da Guerra Fria, com as escolas ensinando que nossa “liberdade de expressão” nos tornava superiores aos “comunistas ateus” da União Soviética e de Cuba.
Avançando 45 anos. Graças a Javier Milei, MBL e os Bolsonaros, o libertarianismo de direita finalmente chegou à América do Sul. Ironicamente, os mesmos vira-latas que lutam para purgar as palavras “Paulo Freire” do sistema educacional público do Brasil citam hipocritamente a Primeira Emenda dos EUA para defender o nazismo e o discurso de ódio dos nacionalistas cristãos. Enquanto isso, na autodeclarada capital mundial da liberdade, o governo Trump alcançou níveis de repressão comparáveis ao macarthismo, aplaudido por sua base libertária de direita, que de repente se calou sobre a liberdade de expressão.
Universidades foram avisadas de que perderão financiamento federal se permitirem que estudantes protestem em solidariedade à Palestina. A Casa Branca até emitiu uma lista de quase 200 palavras agora banidas ou “fortemente desencorajadas” nas comunicações governamentais, incluindo: amamentação, feminismo, equidade, privilégio, ativismo, imigrantes, injustiça e desigualdade. É irônico, então, que esse governo e seus apoiadores oligarcas libertários de direita do Vale do Silício ainda posem como defensores da liberdade de expressão enquanto atacam países do Sul Global—exemplificado pela ação frívola movida na Flórida contra o ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil, Alexandre de Moraes.
Com o fracasso da narrativa falsa de corrupção como tática de guerra híbrida para destruir o Partido dos Trabalhadores e seus aliados, poderosos atores dos EUA — desde legisladores republicanos como Marjorie Taylor Greene e oligarcas do Vale do Silício como Elon Musk até veículos alinhados aos democratas, como o New York Times — se alinharam aos Bolsonaro para substituir a narrativa da Lava Jato sobre a “integridade do judiciário independente” do Brasil por uma nova alegação de que o Brasil sofre de uma “ditadura da toga”.
Essa narrativa, enraizada na suposta supremacia da lei americana, dá o salto imperialista de impor a interpretação falha dos EUA sobre os direitos de liberdade de expressão ao contexto legal brasileiro, onde ela não se aplica. Ao mesmo tempo, os oligarcas das redes sociais do Vale do Silício estão pressionando para ignorar a lei brasileira ou fazer lobby para forçar o Brasil a adotar uma interpretação falha da Primeira Emenda dos EUA.
Essa nova estratégia de mudança de regime não deve ser confundida com uma preocupação genuína com os direitos constitucionais de liberdade de expressão dos brasileiros, cuidadosamente elaborados na Constituição de 1988 — um documento muito mais moderno do que o equivalente americano de 250 anos. É uma armadilha.
Assim como os progressistas que abraçaram o absolutismo da liberdade de expressão americano nos anos 1980 agora enfrentam uma nova caça às bruxas macarthista, os brasileiros que caem no conto de fadas do absolutismo da liberdade de expressão vira-latista terão um rude despertar se os fascistas, cujos direitos eles defendem por princípio, recuperarem o poder no País.
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