Chile: comunista e extremista de direita empatam em pesquisas pós-debate presidencial

No próximo domingo, 16 de novembro, 15 milhões de eleitores no Chile irão às urnas para escolher o novo presidente, em uma disputa que reflete as profundas divisões e os desafios que o país enfrenta. Com um segundo turno previsto para 14 de dezembro — caso nenhum candidato ultrapasse 50% dos votos —, estas eleições não são apenas uma competição entre personalidades, mas uma batalha entre visões opostas sobre o futuro do Chile.

Embora oito candidatos participem da corrida, a análise se concentra nos quatro com maior intenção de voto e respaldo parlamentar: Jeannette Jara, José Antonio Kast, Evelyn Matthei e Johannes Kaiser. As candidaturas independentes de Franco Parisi (populista de direita), Harold Mayne-Nicholls, Marco Enríquez-Ominami e Eduardo Artés dificilmente conseguirão representação no Congresso e todas aparecem nas pesquisas com menos de 5% das intenções, com exceção de Parisi.

Nestas eleições presidenciais e parlamentares, há três projetos de país em disputa: um autoritarismo neoliberal, semelhante aos governos de Giorgia Meloni, Jair Bolsonaro, Donald Trump e Javier Milei; uma tentativa de “grande coalizão”, como as existentes na Alemanha ou na França, com hegemonia da direita tradicional aliada a setores social-democratas neoliberais; e uma frente popular social-democrata, que busca conter o avanço do autoritarismo neoliberal.

O projeto do autoritarismo neoliberal ou pinochetista

Esse modelo, com raízes na ditadura de Augusto Pinochet, combina forte autoritarismo político com políticas econômicas neoliberais. No plano internacional, tem como referências Jair Bolsonaro no Brasil, Nayib Bukele em El Salvador e Javier Milei na Argentina.

José Antonio Kast e Johannes Kaiser representam esse projeto. Embora concorram separadamente à presidência, os partidos que os apoiam — o Partido Republicano, o Partido Social Cristão e o Partido Nacional Libertário — se uniram nas eleições parlamentares.

Suas plataformas programáticas são praticamente idênticas, variando apenas em intensidade. Ambos propõem restringir liberdades civis, militarizar a segurança pública e concentrar mais poder no Executivo; também pretendem endurecer as políticas migratórias, prometendo expulsar migrantes em situação irregular e militarizar as fronteiras. Kaiser chegou a mencionar a criação de “campos de retenção” para migrantes. No campo econômico, ambos defendem uma agenda neoliberal radical, com cortes massivos nos gastos públicos (Kast fala em US$ 6 bilhões, enquanto Kaiser propõe o dobro), redução de impostos sobre grandes empresas e flexibilização de direitos trabalhistas, supostamente para reativar a economia. Esses cortes, inevitavelmente, afetariam políticas sociais.

Segundo as pesquisas, esse projeto pode reunir entre 30% e 40% do eleitorado, o que demonstra a vitalidade de uma direita dura no Chile, fortalecida após a revolta social de outubro de 2019. Kast segue na frente, com entre 20% e 25% das intenções de voto, mas Kaiser tem crescido nas últimas semanas à custa dele. Algumas projeções indicam que Kaiser poderia ultrapassar Kast e chegar ao segundo turno contra Jeannette Jara.

A grande coalizão neoliberal

Esse projeto é liderado por Evelyn Matthei, que busca reeditar os governos de centro-direita e centro-esquerda que dominaram o Chile desde o retorno à democracia, em 1990. Sua estratégia é apresentar-se como uma opção de estabilidade e governabilidade, tentando atrair eleitores nostálgicos daquele período. Ainda assim, sua candidatura desperta desconfiança: Matthei foi uma defensora fervorosa de Pinochet durante a ditadura — até seus últimos dias — e é filha de um dos integrantes da Junta Militar.

Apesar de ter liderado as pesquisas por dois anos, Matthei hoje aparece estagnada em terceiro lugar. Ao tentar conquistar o “centro” e parte da social-democracia neoliberal, perdeu sua base mais conservadora, que migrou para Kast. Seu principal argumento é o “voto útil” para evitar um governo de ultradireita considerado perigoso, mas, até o momento, só conseguiu mobilizar setores empresariais, sem impacto significativo na base eleitoral da direita.

Em termos programáticos, Matthei defende uma “mão dura moderada”, com propostas menos radicais em segurança e migração — chegando a considerar a regularização de migrantes irregulares para o trabalho agrícola. Sua política econômica segue neoliberal, com foco na redução do déficit fiscal, mas com cortes menores que os de Kast e Kaiser (estima uma economia de US$ 2 bilhões).

A frente popular social-democrata

A candidata governista Jeannette Jara representa um amplo bloco que vai do Partido Comunista e outras legendas de esquerda que não integram o governo de Gabriel Boric até a Democracia Cristã. Sua principal força é a unidade frente à ameaça da ultradireita, funcionando como uma espécie de “frente popular”. Seu programa original precisou ser ajustado para acomodar a diversidade de aliados.

Mais do que um projeto de país, sua proposta reúne medidas concretas para aliviar a crise econômica das famílias: renegociação de contratos elétricos para reduzir tarifas de energia, aumento do salário mínimo para US$ 750, criação de empregos e fortalecimento do sistema público de saúde — incluindo odontologia e saúde mental. Em segurança, propõe o uso intensivo de tecnologia para controle de fronteiras e o levantamento do sigilo bancário na investigação do crime organizado.

Além da disputa eleitoral, Jara simboliza a possibilidade de um governo progressista liderado pelo Partido Comunista. Ela tem se distanciado do presidente Boric, criticando o acordo entre a estatal Codelco e a mineradora privada SQM, e defende que o Chile se una ao grupo BRICS+ (bloco de economias emergentes).

Num eventual governo de Jara, é esperada uma disputa interna por hegemonia entre comunistas, partidos de esquerda independentes, socialistas, frente-amplistas e forças da centro-esquerda tradicional. Até agora, Jara lidera a primeira rodada, com projeções entre 30% e 38% dos votos, mas não ultrapassa 45% no segundo turno, segundo as pesquisas.

Um país em disputa

As eleições no Chile são mais que uma simples disputa eleitoral — refletem um país que ainda não definiu seu rumo após a revolta de 2019 e expressam a mesma polarização que se observa em outras partes da América Latina. O capitalismo neoliberal vive uma crise global, e no Chile a resposta se manifesta em dois caminhos: um retorno ao pinochetismo, com reforço das políticas neoliberais e autoritárias; ou uma aposta social-democrata, que busca garantir direitos e liberdades civis enquanto acumula forças para transformações mais profundas no futuro.

Segundo as projeções, Jeannette Jara venceria o primeiro turno, mas seria derrotada no segundo, exceto em um cenário em que enfrentasse Johannes Kaiser. Do lado da direita, embora Kast siga como principal nome, o avanço de Kaiser ameaça sua posição — o que poderia permitir que Evelyn Matthei chegasse ao segundo turno caso a disputa entre ambos fragmente o eleitorado pinochetista.

A única certeza é que, independentemente de quem vença, as profundas tensões sociais e políticas manterão o Chile em estado de disputa permanente.

*Javier Pineda Olcay é jornalista e diretor do portal El Ciudadano

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

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