A combinação entre juros elevados domésticos e as tarifas impostas pelo governo americano está criando uma tempestade perfeita para as empresas brasileiras, com a inadimplência de empresas atingindo níveis históricos.
Inadimplência de empresas: juros altos sufocam negócios
As empresas brasileiras enfrentam a pior crise de liquidez dos últimos oito anos. As dívidas não quitadas do setor corporativo atingiram R$ 182,4 bilhões em maio de 2025, o maior valor registrado pela Serasa Experian desde 2016.
São 7,7 milhões de empresas – praticamente um terço dos CNPJs ativos – com contas em atraso há mais de 90 dias, marcando o quinto mês consecutivo de recordes. Cada empresa acumula, em média, 7,3 contas em atraso.
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Política monetária restritiva deve manter cenário adverso
A raiz do problema está nas altas taxas de juro. A taxa Selic em 15% ao ano – com expectativa de manutenção desse patamar até o fim de 2025 e queda apenas gradual a partir de 2026 – transformou o crédito em artigo de difícil acesso para a maioria das empresas brasileiras.
Os resultados trimestrais dos principais bancos já mostram sinais de moderação na concessão de crédito. Segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), o ritmo de crescimento da carteira de crédito vem desacelerando, especialmente entre as famílias. O ritmo de expansão anual caiu de 11,9%, em junho, para 11,3%, em julho.
“Tanto os dados das concessões quanto o comportamento do saldo das carteiras indicam que a tendência ao longo do segundo semestre é de moderação, refletindo os efeitos contracionistas da política monetária”, explica Rubens Sardenberg, diretor de Economia, Regulação Prudencial e Riscos da Febraban.
A expectativa geral é de que a trajetória da inadimplência de empresas continue em alta no curto prazo. A própria Febraban projeta que a taxa de inadimplência da carteira com recursos livres dos bancos se mantenha em 5% tanto em 2025 quanto em 2026, um patamar mais elevado que o de 2024.
Tarifas americanas: protecionismo acelera crise de inadimplência de empresas
Nesse contexto já desafiador, a política comercial americana surge como um agravante adicional, intensificando a pressão sobre as exportadoras e sua cadeia de fornecedores. Segundo cálculos do BTG Pactual, a tarifa média sobre produtos brasileiros saltou para 30,9%, um aumento de 30 vezes.
O impacto do “tarifaço” na cadeia exportadora
A adoção do adicional sobre as importações brasileiras pelos Estados Unidos transformou radicalmente o cenário para exportadores. Mesmo com a adoção da lista de exceções, um levantamento da CNI mostra que 77,8% da pauta exportadora brasileira para os EUA está sujeita a algum tipo de taxação por parte dos Estados Unidos e mais da metade das exportações enfrentarão sobretaxas de 50%.
O impacto vai muito além dos exportadores diretos. “Esse aumento tarifário gera um choque direto no capital de giro das exportadoras nacionais. Ao precisarem reduzir preços para manter contratos ou recuar do mercado americano, essas empresas iniciam um efeito-dominó, no qual fornecedores de insumos, transportadoras e prestadores de serviços podem começar a enfrentar atrasos nos pagamentos, colocando toda a cadeia sob risco”, alerta Silvano Boing, CEO da Global, maior recuperadora de crédito empresarial do país.
Diante dessas sobretaxas, muitos exportadores brasileiros se veem forçados a escolher entre duas alternativas igualmente prejudiciais: reduzir drasticamente preços e margens para tentar manter contratos – o que pode levar a operar no prejuízo – ou simplesmente abandonar o mercado norte-americano, perdendo receitas conquistadas ao longo de anos de investimento em relacionamento comercial. Ambas as opções resultam em severa compressão do fluxo de caixa e podem disparar um efeito dominó devastador.
PIB brasileiro pode perder R$ 25,8 bilhões em dois anos
A dimensão do problema é significativa. Um estudo da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), publicado no início do mês, projeta que o tarifaço pode tirar R$ 25,8 bilhões do PIB brasileiro em até dois anos. A Fundação Dom Cabral (FDC) estima que cerca de 10,8 mil empresas exportadoras de médio porte serão as mais diretamente afetadas.
Essas companhias, que formam a base do ecossistema de fornecimento dos grandes exportadores, têm menor capacidade de absorver choques financeiros, menor flexibilidade de capital de giro e acesso mais restrito a linhas de crédito internacionais que poderiam amenizar o impacto.
Pequenas e médias empresas: no epicentro da tempestade perfeita
Os R$ 182,4 bilhões em dívidas empresariais encontram sua concentração mais dramática nas micro, pequenas e médias empresas. Estes números ganham dimensão ainda mais preocupante quando analisamos que, dos 7,7 milhões de CNPJs inadimplentes registrados pela Serasa Experian, 7,3 milhões são MPMEs e que são responsáveis por cerca de 90% da inadimplência de empresas.
Entre os setores mais vulneráveis a essa combinação de pressões, o varejo desponta como um dos mais críticos, segundo análise do Centro de Excelência em Varejo da Fundação Getulio Vargas (FGVcv). A explicação é estrutural: com margens tradicionalmente apertadas e alta dependência de capital de giro para financiar estoques e prazos de pagamento aos clientes, o setor vê sua rentabilidade evaporar. Redes já estão revendo planos de expansão.
O setor de serviços lidera o ranking com 53,7% das empresas negativadas, seguido por comércio (34,1%) e indústria (8%). São salões de beleza, restaurantes, oficinas mecânicas, pequenas lojas de bairro, escritórios de contabilidade – negócios que empregam milhões de brasileiros e que agora lutam para sobreviver em um ambiente econômico hostil.
A vulnerabilidade das MPMEs não é acidental, mas estrutural. Essas empresas operam com margens muito mais apertadas que as grandes corporações, têm acesso limitado ao mercado de capitais, dependem quase exclusivamente do sistema bancário tradicional para financiamento e possuem menor poder de barganha com fornecedores e clientes. Quando o crédito seca e os juros explodem, são as primeiras a sentir o impacto.
“Muitas dessas empresas já operavam no limite antes do tarifaço”, explica Leandro Turaça, sócio-gestor da Ouro Preto Investimentos. “Com margens comprimidas pela concorrência acirrada e custos crescentes, qualquer choque adicional as empurra para o precipício. O tarifaço americano é a gota d’água que faltava para transformar dificuldade em insolvência.”
Camila Abdelmalack, economista da Serasa Experian, alerta para um cenário de inadimplência corporativa cada vez mais preocupante no Brasil. Empresas endividadas enfrentam restrições significativas para obter novos financiamentos ou renegociar dívidas, o que amplia o risco de agravamento da situação. É um cenário que, além da inadimplência, pode contribuir para um aumento no número de recuperações judiciais e de falências.
Tempo é dinheiro: o que se pode fazer na crise de inadimpência de empresas
Diante desse cenário de múltiplas pressões convergentes, especialistas alertam que a passividade pode ser fatal. Carlos Ottoni, sócio da KPMG, enfatiza que não há mais tempo para estratégias defensivas. Ele ressalta a necessidade urgente de as empresas buscarem alternativas.
“Não dá mais para esperar uma solução mágica vinda do governo ou uma reversão súbita do cenário internacional. As empresas precisam ser proativas: buscar novos mercados, renegociar contratos, otimizar custos, diversificar receitas. Quem ficar parado esperando vai ser engolido pela crise.”
A agilidade na recuperação de crédito torna-se questão de sobrevivência. Elias Sfeir, presidente da Associação Nacional de Bureaus de Crédito (ANBC), apresenta dados reveladores: 82% das dívidas de negócios entre empresas são recuperadas se tratadas nos primeiros dez dias de atraso, mas essa taxa despenca para meros 12% após 180 dias.