A confiança do empresário brasileiro despencou em agosto, atingindo o menor patamar desde o auge da pandemia de Covid-19. As tarifas impostas pelos EUA funcionaram como estopim, expondo as fragilidades de um ambiente de negócios já pressionado por juros altos e ausência de reformas estruturais. O resultado é um pessimismo que afeta a indústria, levando à revisão de investimentos e à desistência de novas contratações. Pelo lado do consumidor, o momento é de revisão de gastos e adiamento de compras.
A deterioração da confiança foi abrupta e generalizada. A confiança empresarial, medida pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), caiu em agosto pelo terceiro mês consecutivo, atingindo níveis próximos aos de março de 2021, auge da pandemia. A piora se espalhou por todos os grandes setores — indústria, serviços, comércio e construção — e atingiu 78% dos 49 segmentos econômicos analisados, mostrando que o problema se tornou sistêmico.
Impacto imediato das tarifas dos EUA nas empresas do Brasil
O epicentro da crise está na indústria, especialmente no setor exportador, antes considerado uma ilha de resiliência. A confiança dos industriais que vendem para o exterior desabou: o índice da Confederação Nacional da Indústria (CNI) para essas empresas caiu 9,2% entre junho e agosto, migrando de um território de otimismo para um de forte pessimismo. Com isso, o exportador agora enfrenta um cenário pior que a média da indústria, que já acumula oito meses de desconfiança.
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A causa imediata foi o decreto assinado pelo governo dos EUA em 30 de julho, que impôs uma tarifa adicional de 40% sobre a importação de produtos brasileiros. Apesar de produtos estratégicos terem escapado do tarifaço, a medida atingiu cerca de 55% do valor total exportado para os Estados Unidos, o segundo maior parceiro comercial e o principal destino dos produtos industrializados do país.
O impacto foi direto em setores cruciais como siderurgia, produtos de madeira, café e carnes. Em agosto, primeiro mês de vigência das novas tarifas, as exportações para os EUA caíram 18,5% em relação ao mesmo mês de 2024. O valor faturado, de US$ 2,6 bilhões, foi o menor para o período desde a pandemia. As maiores quedas ocorreram com os seguintes produtos:
- Aeronaves e suas peças: queda de 93%
- Turbogeradores e turbinas a gás: redução de 60,9%
- Óleos essenciais: recuo de 52,25%
- Madeira perfilada: queda de 48,5%
- Carne bovina congelada: redução de 47,69%
O pessimismo já se traduz em decisões de negócio. Além do impacto direto sobre as vendas para os Estados Unidos, há uma preocupação crescente de desvio de comércio, com produtos que eram para o mercado americano sendo direcionados para o Brasil, aumentando a concorrência com a produção local.
Projeções indicam demissões e freio nos investimentos
As expectativas para os próximos seis meses são as mais afetadas. A CNI aponta que os empresários agora preveem queda no volume de exportações e, consequentemente, demissões. A intenção de investir também recuou para o menor patamar desde outubro de 2023. A FGV corrobora essa visão, com o indicador de expectativas de emprego na indústria atingindo o pior resultado desde junho de 2020, durante a pandemia.
Segundo Stéfano Pacini, economista do FGV Ibre, a combinação entre a contração da política monetária e o aumento da incerteza, intensificada pelas novas taxações sobre produtos brasileiros, configura um cenário desafiador para o setor. Neste cenário crítico, a indústria se vê pressionada por dois lados: o mercado interno, enfraquecido pelos juros, não consegue absorver a produção, enquanto o mercado externo se fecha abruptamente.
Quem perde mais? Projeções bilionárias de perdas no PIB e no emprego
As perdas potenciais são alarmantes. Um estudo realizado pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) projeta que, entre cinco e dez anos, as perdas no PIB podem chegar a R$ 110 bilhões, com a eliminação de mais de 618 mil empregos.
Uma análise, feita pelo Nemea (Núcleo de Estudos em Modelagem Econômica e Ambiental Aplicada) da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), também aponta para perdas significativas. As simulações indicam que o impacto direto das tarifas dos EUA sobre o Brasil resultará em uma queda de R$ 31 bilhões no PIB em dois anos e uma perda de 188,7 mil empregos.
O estudo também destaca que, embora o Brasil possa ter ganhos marginais com o desvio de comércio causado pela retaliação da China aos EUA (especialmente na exportação de soja), o saldo final para a economia brasileira permanece negativo, com uma perda líquida de US$ 4,2 bilhões nas exportações.
As maiores perdas serão em segmentos com metais ferrosos (aço), produtos químicos e produtos de madeira. Esses setores são intensivos em mão de obra e fortemente integrados às cadeias globais, o que amplifica o efeito negativo sobre o emprego e a atividade econômica regional.
Estados como São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, que concentram grande parte das exportações para os EUA, serão os mais prejudicados.
Os estados mais vulneráveis à crise das tarifas dos EUA ao Brasil
Outro estudo feito pelo FGV Ibre aponta que Ceará, Alagoas e Paraíba estão entre os estados mais vulneráveis às tarifas dos EUA ao Brasil. Apesar de nesses estados o valor exportado ser reduzido, a dependência relativa é alta, ampliando o risco de efeitos negativos sobre o emprego e a renda.
A pauta exportadora do Ceará é totalmente concentrada em ferro fundido, ferro e aço. Os três itens respondem por 67% do total embarcado. Apesar de ser apenas o 13.º maior exportador para os Estados Unidos, 44,9% de sua pauta é direcionada àquele mercado e 98,6% dela não entrou na lista de exceções.
Maranhão, Pará, Mato Grosso do Sul e São Paulo estão do outro lado. Os efeitos do tarifaço norte-americano tendem a ser menores, porque esses estados mostram maior resiliência, seja pela diversificação das exportações, seja pelos efeitos proporcionados pela lista de exceções.
Cálculos feitos pelo FGV Ibre, a partir de dados da Secex, indicam que o Maranhão é a unidade da federação mais beneficiada pela lista de exceções, com 90,9% do total exportado.
Tempestade perfeita: juros altos agravam mau humor do consumidor
O tarifaço encontrou um ambiente interno já debilitado, criando uma “tempestade perfeita”. Com a taxa Selic em 15% ao ano, os juros reais operam em um patamar contracionista, o que desestimula o investimento e penaliza o consumo.
Esse aperto monetário, segundo o Banco Central, é necessário para controlar a inflação, mas seus efeitos na atividade são claros. A CNI já reduziu a previsão de crescimento da indústria para 1,7% em 2025 e projeta que o consumo das famílias crescerá menos da metade do que em 2024.
Uma pesquisa da HSR Specialist Researchers mostrou que 54% dos consumidorres afirmam sentir muito a influência das tarifas dos EUA ao Brasil no orçamento familiar. Os itens percebidos como mais caros são os essenciais: alimentos, combustíveis e medicamentos.
Como resultado, a população já planeja cortar gastos e adiar compras. A percepção é mais aguda entre as classes de menor renda e na região Norte do país, grupos economicamente mais vulneráveis.
Segundo Valéria Rodrigues, CEO da Shopper Experience – empresa do grupo HSR –, a percepção de inflação recai principalmente sobre bens essenciais, “afetando diretamente o poder de compra e os hábitos de consumo”.
Esse sentimento corrobora a perda de fôlego do consumo das famílias, que, segundo a CNI, deve crescer 2,3% em 2025, menos da metade da expansão de 4,8% registrada em 2024.
Outro levantamento do FGV Ibre mostra que a queda das expectativas se deu diante da piora da avaliação dos respondentes quanto à percepção da situação econômica e financeira familiar, que registra retração há três meses consecutivos.
“Esses resultados sugerem um quadro de cautela e preocupação com o futuro, tendo em vista, principalmente, os altos níveis de endividamento e inadimplência das famílias”, afirma Anna Carolina Gouveia, economista do FGV Ibre.
Crise expõe a urgência de reformas estruturais no Brasil
A crise atual não é apenas um reflexo do tarifaço, mas um sintoma de problemas crônicos. A falta de uma agenda de reformas estruturais — como a abertura comercial, a simplificação tributária e o controle de gastos públicos — deixa o Brasil refém de choques externos e de decisões.