Um artigo publicado pelo Financial Times, um dos diários econômicos mais influentes do planeta sustenta que o tarifaço contra o Brasil anunciado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, não tem lógica comercial e sequer ajuda o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que tenta se apegar ao magnata para se livrar do julgamento por liderar uma tentativa de golpe.
O autor do texto é o jornalista britânico Edward Luce, baseado em Washington. Além de uma longa carreira no FT, ele conheceu por dentro o governo norte-americano quando trabalhou como redator de discursos de Lawrence Summers, então secretário de Tesouro dos Estados Unidos, entre 1999 e 2001.
Luce aponta também a hipocrisia do secretário de Estado de Trump, Marco Rubio, que se apresentava como defensor dos valores democráticos norte-americanos e do Estado de Direito. Na última sexta-feira 18, Rubio anunciou a revogação de vistos de ministros do Supremo Tribunal Federal porque a Corte julgará Bolsonaro pela conspiração de 2022.
“Mesmo nos termos mercantilistas de Trump, suas ações não fazem sentido. Os Estados Unidos têm um superávit comercial com o Brasil. O país de Lula deveria, portanto, ter sido isento das tarifas”, argumenta o articulista.
Esse é um dos pontos enfatizados pelo Brasil na difícil tarefa de negociar por meios diplomáticos para barrar a sanção de 50% às suas exportações aos norte-americanos a partir de 1º de agosto. Em pronunciamento na TV na última quinta-feira 17, o presidente Lula (PT) reforçou: “Os Estados Unidos acumulam, há mais de 15 anos, robusto superávit comercial de 410 bilhões de dólares”.
Se o objetivo de Trump, prosseguiu Edward Luce, for acudir seu amigo autoritário, tampouco haverá lógica. “Entre as principais vítimas de uma tarifa americana de 50% sobre o Brasil estariam os pecuaristas e os exportadores de café. Ambos os setores são redutos de Bolsonaro. Trump está, portanto, impulsionando a posição de Lula, não a de Bolsonaro.”
Não é surpresa, avalia o jornalista, que a popularidade de Lula tenha melhorado nas últimas semanas.
O artigo aponta ser necessário também compreender a “incontinência imperial” na política comercial de Trump, que vê as tarifas como um instrumento de vantagem sobre o restante do mundo.
“O autoritário turco Recep Tayyip Erdoğan tem de lidar com uma tarifa de apenas 10%, apesar do déficit comercial dos EUA com a Turquia, diferentemente do Brasil”, destaca Luce. “O caminho de Erdogan rumo à autocracia pode até ter levado o presidente dos EUA a ter uma visão mais favorável da Turquia.”
Isso se explica, na avaliação de Luce, com a inclinação de Trump pela promoção da autocracia, o que deixa as “democracias parceiras” alarmadas.
“As reclamações mais veementes deveriam vir dos conselheiros protecionistas de Trump. Se eles se manifestarem, poderão apontar que Trump atrapalha sua própria agenda. Na visão deles, as tarifas buscam o desenvolvimento da capacidade interna dos EUA. Trump, por outro lado, usa essa ferramenta para o que lhe apetecer”, conclui o jornalista.