A entrada em vigor da Lei Complementar 1.435/2025 — que reorganiza a carreira dos pesquisadores do Estado de São Paulo e altera profundamente seu regime de remuneração — começou com pressão, confusão e sensação de armadilha entre servidores científicos paulistas.
Logo pela manhã de 1º de dezembro, data em que a nova legislação passou a valer, as Secretarias de Meio Ambiente, Saúde e Agricultura e Abastecimento enviaram e-mails a pesquisadores pedindo resposta urgente sobre o enquadramento no novo sistema. A lei substitui o regime remuneratório baseado em vencimentos e gratificações pelo modelo de subsídio em parcela única, além de redesenhar a carreira.
No comunicado, um detalhe soou como coerção: quem quisesse permanecer no regime antigo (LC 727/1993) deveria entregar uma planilha de opção até as 15h do dia 2 de dezembro — menos de 48 horas após a entrada da lei em vigor. A justificativa oficial era o “período reduzido para processamento da folha, em razão do pagamento do 13º salário”. A decisão teria efeitos já na folha de pagamento de janeiro de 2026.
Na prática, os pesquisadores foram colocados diante de uma escolha forçada, com um prazo que a própria lei não prevê. O atropelo contrasta com o texto da LC 1.435/25, que determina um prazo de 90 dias corridos para que o servidor manifeste, formalmente, se deseja permanecer no regime anterior. A escolha é irrevogável e irretratável. Quem não se manifestar automaticamente migra para o subsídio.
Diante da reação negativa e das dúvidas generalizadas, o governo retrocedeu parcialmente no fim da tarde do mesmo dia: em nova mensagem, afirmou que o envio da opção até 2/12 seria “apenas para os servidores que têm certeza de que não querem aderir à nova lei”.
O prazo legal de 90 dias, contudo, continua valendo e não pode ser alterado por procedimento administrativo interno.
Para conter a insegurança jurídica causada pela comunicação contraditória, a Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC) divulgou nota orientando os servidores e reafirmando o prazo legal: 28 de fevereiro de 2026.

“Um tipo de assédio”
Para Helena Dutra Lutgens, presidente da APqC, as mensagens do governo representam mais que desinformação: configuram uma forma de pressão para empurrar pesquisadores ao regime de subsídio, que elimina direitos como adicional por tempo de serviço.
“É um tipo de assédio para que todos fiquem no subsídio. É uma maneira de enxugar o serviço público”, afirma. “Isso mostra como tudo foi feito sem planejamento dos procedimentos devidos.”
Lutgens também critica o curto intervalo para uma decisão irreversível:
“São muitos aspectos para analisar. É trocar o certo pelo incerto. A lei depende de decretos regulamentadores que nem existem. O subsídio não garante melhorias — basta ver o que aconteceu na educação e na polícia, que tiveram salários achatados.”
Desde maio, quando o projeto começou a tramitar, a associação alerta que a reestruturação cria um ambiente de desorganização administrativa e empurra a carreira científica para um cenário de incerteza.
Mudanças estruturais e o fim de uma carreira meritocrática
Sob o discurso oficial de “modernização”, a LC 1.435 promove uma ruptura na estrutura dos institutos de pesquisa. Para a APqC, trata-se de um retrocesso histórico que desmonta um modelo consolidado há cinco décadas.
Entre as mudanças mais sensíveis está a extinção do Regime de Tempo Integral (RTI), considerado o pilar da dedicação exclusiva e da qualidade da produção científica do Estado. Some-se a isso a eliminação da Comissão Permanente do RTI (CPRTI), substituída por uma nova estrutura a ser definida por decreto — o que, segundo especialistas, ameaça a autonomia da avaliação científica.
A própria natureza do trabalho científico é ignorada, afirma Roseli Torres, segunda-secretária da APqC e pesquisadora aposentada do Instituto Agronômico de Campinas:
“Não é razoável pensar que um cientista trabalha oito horas por dia. Há experimentos em laboratório e em campo, acompanhamentos longos. Não é possível encaixar pesquisa em 40 horas semanais.”
A nova lei também altera a progressão funcional: os atuais seis níveis passam a 18 degraus, subdivididos em categorias A, B e C, o que torna o avanço mais lento e desestimula novos talentos. Instituições já fragilizadas por décadas de falta de concursos tendem a se deteriorar ainda mais: há 60% de vagas ociosas para pesquisadores e mais de 80% no apoio técnico.
No campo remuneratório, o subsídio extingue vantagens históricas, como adicional por tempo de serviço, sexta-parte e prêmios de incentivo — políticas que, ao longo dos anos, evitaram a corrosão salarial. A mudança também colide com a promessa do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) de equiparar os salários paulistas aos da Embrapa.
Hoje, os institutos estaduais acumulam defasagens de 50% em relação às universidades e 70% em relação à Embrapa.
