Após os recentes fracassos de bilheteria, a Marvel, a DC Comics e o bolsonarismo entraram na fase dos reboots. É uma estratégia manjada dos produtores de filmes de super-heróis e dos donos do poder no Brasil. Novos, ou nem tanto, atores encarnam velhos personagens. Atualiza-se o uniforme, moderniza-se a linguagem do roteiro, mas a ideia continua a mesma: um paladino, tanto faz se tem a cara de um operador de câmbio, do Mauro Cid, de um cantor sertanejo, de miliciano ou de um PM da Rota, irá salvar o (nosso) mundo dos vilões, dos “terroristas”, frequentemente barbudos, que ameaçam vidas ou, pior, a busca celestial pelo equilíbrio das contas públicas.
Em Pindorama, mais do que em Hollywood, a produção está a todo vapor. O governo de São Paulo, Tarcísio de Freitas, das escolas cívico-militares, da Operação Escudo, do “tô nem aí” e das novas regras nas câmeras dos uniformes que farão das filmagens uma espécie de Instagram dos policiais – o sujeito deve na praça, se separou da mulher, não fala com os filhos, mas só posta imagens de restaurantes, praias paradisíacas e carros turbinados – passou por um rebranding para se tornar o bolsonarista “moderado”, paradoxo só possível nas histórias em quadrinhos.
Nenhum outro dirigente de um Banco Central no Ocidente interfere de maneira tão despudorada e partidária no debate público interno
Faltava, no entanto, um parceiro. O que seria do Batman sem o Robin? Do Homem-Formiga sem a Vespa? Do Didi sem o Dedé? Da Xuxa sem a Marlene Mattos? Do Bolsonaro sem Paulo Guedes? Faltava. Embora tenha resistido, ao menos por alguns minutos, e alertado para os riscos, segundos relatos comovidos que atestam sua força moral, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, teria aceitado a espinhosa missão de ser o ministro da Fazenda caso Tarcísio se candidate e vença as eleições presidenciais de 2026. O sim, descreve a mídia, foi dito em um jantar reservado oferecido pelo governador paulista ao banqueiro, convescote, como se sabe, de caráter republicano. Euforia na Avenida Faria Lima. Nem foi preciso inventar muito. Com pequenos retoques aqui e ali, o blockbuster de 2018, cuja sequência fracassou em 2022, será reembalado e exibido daqui dois anos. As chances de sucesso não são desprezíveis. É uma estratégia de baixo custo, como a infindável repetição pelo SBT dos episódios de Chaves. Todo mundo sabe de cor e salteado o que vai se passar, mas ninguém desgruda da tela e ri, ou finge rir, das mesmas piadas. Funciona faz tempo no Brasil. Arriscaria dizer que há 500 anos.
PS: Campos Neto, consta, preside um BC “independente” e determina, em última instância, a política monetária do País. Nenhum outro dirigente de um Banco Central no Ocidente interfere de maneira tão despudorada e partidária no debate público interno. Se o fizessem, provavelmente entrariam para a fila de desempregados. No Brasil, o “técnico” passa o dia a fazer política, com consequências sérias sobre a estabilidade da economia e a confiança externa, mas não se vê um único reparo aos estragos de suas intervenções ideológicas. Ao contrário. O silêncio ensurdecedor é uma aprovação tácita.
Quando o presidente Lula, político, eleito pelo voto popular, faz uma constatação técnica, conceitual, o mundo desaba sobre a cabeça dos pobres mortais. Durante evento com investidores no Rio de Janeiro, o petista afirmou o óbvio ululante: “o mercado não é uma entidade abstrata, apartada da política e da sociedade”. Minutos depois, o G1, portal da Globo, oferecia a seguinte manchete aos leitores desavisados: “Dólar tem 4° alta seguida após críticas de Lula ao mercado”. Quanta irresponsabilidade do metalúrgico.
E assim se criam “heróis”. E “vilões”.
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