Organização criminosa armada, tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito são algumas das acusações que unem o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete réus em julgamento que começou nesta terça-feira 2 no Supremo Tribunal Federal (STF).
Estão previstas cinco sessões para que os ministros da Primeira Turma da corte decidam o destino dos acusados de integrar o chamado “núcleo crucial” da tentativa de golpe ocorrida após a derrota de Bolsonaro nas urnas, em 2022. Se condenados, as penas serão então decididas – elas podem chegar a 43 anos de prisão por réu.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) sustenta que cada um deles, em diferentes níveis, compôs um núcleo estratégico que unia política, inteligência, forças militares e logística em um plano liderado por Bolsonaro para romper a ordem democrática. Todos negam ter participado de atividades criminosas.
Entenda quem são e o que pesa sobre cada um dos réus por golpismo.
Alexandre Ramagem
Ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e deputado federal pelo PL do Rio de Janeiro, Ramagem é acusado de utilizar a estrutura do órgão para espionar opositores e favorecer os interesses políticos de Bolsonaro.
Ele teria fornecido informações estratégicas e apoiado ações de desestabilização institucional, como questionar o processo eleitoral e espalhar desinformação sobre o tema.
AÇÃO PENAL Nº 1/2025. Dep. Delegado Ramagem (PL – RJ) – Bruno Spada/Câmara dos Deputados
Segundo a denúncia da PGR, havia um grupo na Abin destinado a encontrar supostos indícios de fraude nas urnas. As informações compiladas pelo órgão de inteligência acabaram servindo de base para várias alegações enganosas sobre o processo eleitoral e sobre ministros do STF.
Sua proximidade com o clã Bolsonaro e com militares influentes fez dele peça-chave no chamado “núcleo de inteligência” da organização criminosa investigada.
Almir Garnier
O almirante Garnier, ex-comandante da Marina, é acusado de ter dado apoio aos planos de ruptura institucional e de ter participado, inclusive, da elaboração de uma minuta de decreto golpista que previa a reversão do resultado eleitoral de 2022.
A PGR alega em sua denúncia que ele teria se colocado à disposição de Bolsonaro caso fosse dado o passo decisivo para a decretação de estado de exceção.
Almir Garnier depõe ao STF sobre a sua participação na trama golpista. O militar é um dos réus do chamado núcleo crucial do golpe. Foto: EVARISTO SA / AFP
Sua postura teria dado respaldo militar ao plano golpista, fortalecendo a percepção de que parte das Forças Armadas estaria pronta para sustentar uma tentativa de intervenção.
Anderson Torres
Ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres ficou marcado pela descoberta, em sua residência, da minuta de decreto golpista.
Além disso, é acusado de ter se omitido no 8 de janeiro de 2023, quando bolsonaristas invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília. À frente da segurança do Distrito Federal, ele estava na Flórida, nos Estados Unidos, no dia dos ataques.
Ex-ministro Anderson Torres, réu pela trama golpista, depõe ao STF.
Foto: EVARISTO SA / AFP
Por determinação do ministro do STF Alexandre de Moraes, ele foi preso ao desembarcar no aeroporto em Brasília, por suspeita de ter facilitado os ataques, e solto quatro meses depois.
A PGR o enquadra como um dos principais operadores jurídicos da conspiração, e Moraes destaca indícios de que Torres “utilizou o cargo para atuar contra as instituições”.
Augusto Heleno
De instrutor de Bolsonaro na academia militar a ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), o general da reserva Augusto Heleno tem longa carreira política. Durante seu período no governo, sempre foi uma das vozes mais combativas contra o Supremo e o sistema eleitoral.
As investigações apontam que ele atuou no convencimento de militares e civis para aderirem à ruptura democrática, além de participar de reuniões estratégicas em que se discutiu a possibilidade de intervenção. Para a PGR, Heleno representava a face “institucional” do golpe dentro do governo, conferindo legitimidade militar às conspirações.
O ex-ministro de Jair Bolsonaro, o general Augusto Heleno. Foto: Evaristo Sa/AFP
À frente do GSI, ele mencionou haver um “esquema” paralelo na Abin para inflitrar agentes nas campanhas eleitorais, segundo dados apreendidos pela Polícia Federal no computador do ex-ajudante de ordens Mauro Cid, outro réu do núcleo em julgamento.
Paulo Sérgio Nogueira
O general Paulo Sérgio, ex-ministro da Defesa, é acusado de ter integrado o núcleo militar que apoiou a narrativa de fraude e participado de encontros sobre como contestar o resultado das eleições, além de usar sua posição para tentar abrir espaço para uma intervenção institucional, segundo a PGR.
Paulo Sérgio Nogueira, na primeira sessão de julgamento da tentativa de golpe no Supremo Tribunal Federal, em 2 de setembro de 2025 – Foto: Antonio Augusto/STF
Ele foi um dos responsáveis pelo tom evasivo do relatório das Forças Armadas sobre a confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro. A PGR narra que, uma vez que não foram encontradas evidências de fraudes e falhas, Nogueira orientou que se evitasse uma conclusão “positiva” do documento, usado para fundamentar o argumento golpista.
Walter Braga Netto
General da reserva, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa, Braga Netto foi candidato em 2022 a vice-presidente na chapa de Bolsonaro, com quem divide uma nostalgia declarada em relação à ditadura militar no Brasil.
Ele começou a ganhar destaque ainda em 2018, quando foi designado pelo governo de Michel Temer a ser o interventor militar na segurança pública do Rio de Janeiro.
Walter Braga Netto, preso no Rio de Janeiro.
Foto: Carl DE SOUZA / AFP
Segundo a PGR, ele desempenhou o papel de articulador político da trama golpista, transitando entre militares, empresários e lideranças bolsonaristas. Ele está preso preventivamente.
Segundo a investigação, ele foi um dos que estavam por trás do chamado plano Punhal Verde e Amarelo para assassinar o presidente Lula e outras autoridades, como Alexandre de Moraes.
No relatório da investigação, Moraes apresenta mensagens enviadas por Braga Netto a interlocutores militares em que critica os então comandantes do Exército e da Aeronáutica por não aderirem ao plano de golpe e pede que “infernizem” a vida deles e das famílias.
Mauro Cid
Tenente-coronel do Exército e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid era o braço direito do ex-presidente, responsável por tarefas políticas, financeiras e até domésticas para Bolsonaro. Sua delação foi peça-chave para o andamento das investigações.
Seu nome aparece em conversas e documentos que revelam negociações com militares e aliados políticos para sustentar o plano golpista.
Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Foto: Evaristo Sa/AFP
Ele também esteve envolvido na divulgação de informações falsas sobre o processo eleitoral e teria atuado como elo logístico e de comunicação entre Bolsonaro e os demais integrantes da trama.
Cid estava preso desde 22 de março de 2024, quando o STF considerou que ele descumpriu medidas cautelares e obstruiu a Justiça ao vazar áudios para a imprensa. Com a confirmação da delação, em setembro de 2024, ele passou para prisão domiciliar – Moraes frisou que a condição de delator não livra o réu de responder por supostos crimes por ele praticados.
(AFP, ots)