
A primeira-ministra deposta de Bangladesh, Sheikh Hasina, foi condenada à morte nesta segunda-feira 17, ao fim de um julgamento de meses que a considerou culpada de ordenar uma repressão mortal contra um levante estudantil no ano passado.
Um relatório das Nações Unidas estimou que até 1,4 mil pessoas foram mortas e milhares ficaram feridas – a maioria por disparos das forças de segurança – durante manifestações contra o governo ocorridas entre 15 de julho e 5 de agosto do ano passado. Este foi o pior caso de violência política em Bangladesh desde a guerra de independência do país, em 1971.
Pessoas que acompanhavam o julgamento comemoraram e aplaudiram o mais severo veredito já imposto a um líder na história do país.
Hasina fugiu para a vizinha Índia em agosto de 2024, no auge da revolta contra seu governo. Ela divulgou um comunicado classificando o tribunal como “manipulado”.
O governo interino liderado pelo prêmio Nobel da Paz Muhammad Yunus descreveu a decisão como um “veredito histórico”, mas pediu calma à população.
O ministério das Relações Exteriores de Bangladesh pediu à Índia a extradição de Hasina e do ex-ministro do Interior Asaduzzaman Khan Kamal, também condenado à morte no mesmo processo.
A Índia disse que está ciente da decisão, está comprometida com os melhores interesses do povo de Bangladesh e irá “se engajar construtivamente”, sem dar mais detalhes.
O juiz Golam Mortuza Mozumder afirmou que Hasina, de 78 anos, foi considerada culpada em três acusações: incitação, ordens de assassinato e falha em prevenir atrocidades durante a revolta.
Em comunicado enviado por e-mail à imprensa após o veredito, Hasina acusou o tribunal de ser “parcial e politicamente motivado”.
“Em seu repulsivo apelo pela pena de morte, revelam a intenção descarada e assassina de figuras extremistas dentro do governo interino de remover a última primeira-ministra eleita de Bangladesh”, disse ela.
O governo já havia rejeitado suas críticas ao processo legal, afirmando que o tribunal foi transparente, permitiu observadores e publicou documentação regular. Durante o julgamento, promotores disseram ter provas de uma ordem direta de Hasina para usar força letal contra os estudantes.
Quem é Hasina?
Hasina nasceu 1947 e participou de repetidas revoltas populares até a Guerra da Independência de 1971, travada entre o Paquistão Ocidental, o Paquistão Oriental (atual Bangladesh) e a Índia. Na ocasião, chegou a ser presa pelo exército de ocupação paquistanês ao lado de familiares.
Segundo arquivo da Universidade Estadual de Iowa, o conflito resultou na independência de Bangladesh e seu pai, Sheikh Mujibur Rahman, se tornou o primeiro presidente do país, em 1975. Seu governo, porém, durou pouco, pois foi assassinado por oficiais do Exército. Hasina sobreviveu ao ataque à sua família pois estava na Alemanha Ocidental. Viveu no exílio até 1981, quando assumiu a liderança de seu partido, a Liga Awami, e retornou a Bangladesh. Entre 1982 e 1986, foi colocada em prisão domiciliar várias vezes até oficialmente se tornar parlamentar em 1986, diante de um governo militar.
Antes de ocupar a chefia de Governo, Hasina liderou o Levante Popular de 1990 – uma mobilização que derrubou o regime militar de Hussain Muhammad Ershad e restaurou o sistema parlamentar de fato no país.
Ela assumiu o cargo de primeira-ministra de Bangladesh pela primeira vez em 1996, quando a Liga Awami emergiu como majoritária nas eleições parlamentares daquele ano. A sigla, fundada pelo seu pai, se opunha ao fundamentalismo religioso, e defendia a justiça social. Apesar de defender o nacionalismo bengali, era vista como mais progressista que a oposição.
Hasina ficou no poder até 2001, quando foi derrotada e voltou a liderar a oposição diante de um governo interino. Em 2008, foi eleita novamente e permaneceu no cargo desde então, após sucessivas eleições. À época, a premiê era uma firme defensora da democracia e promulgou lei para constituir novos tribunais para julgar crimes contra a humanidade cometido por governos militares anteriores.
Ela também introduziu programas benéficos para agricultores e redes de proteção social para mulheres em situação de vulnerabilidade. Nas primeiras duas décadas deste século, recebeu doutorados honorários e prêmios internacionais por seu fortalecimento do processo democrático, contribuições à paz e à estabilidade.
Contudo, aos poucos, a Liga Awami ganhou caráter mais centralizador e autoritário sob seu governo. As eleições que venceu em 2014 foram boicotadas pela oposição e houve uso de forças de segurança contra manifestações. Seu partido venceu praticamente sem oposição, ampliou controle sobre o Judiciário e restringiu a liberdade de imprensa.
As eleições de 2018 e 2024 foram tomadas como manipuladas pela oposição. Os protestos vinculados ao último pleito levaram à repressão generalizada e à fuga de Hansina para a Índia.
