O chefe do governo francês, Sébastien Lecornu, sobreviveu nesta quinta-feira 16 a duas moções de censura no Parlamento. As votações ocorreram poucos dias após ele propor a suspensão da reforma previdenciária do presidente Emmanuel Macron, numa tentativa de conter o agravamento da crise política.
Lecornu, o terceiro chefe de governo francês em menos de um ano, defendeu na terça-feira a suspensão da impopular reforma da Previdência de 2023, para evitar que o Partido Socialista (PS) — que exigia essa medida — apoiasse a moção de censura apresentada pelo partido A França Insubmissa (LFI), de esquerda radical.
O premiê de centro-direita venceu as votações por uma margem estreita. A proposta da esquerda radical ficou a apenas 18 votos da aprovação, com sete deputados socialistas rompendo a orientação do partido e votando pela queda do governo.
A segunda moção, apresentada pela líder de extrema-direita Marine Le Pen, ficou longe de alcançar a maioria de 289 votos necessária, obtendo apenas o apoio de 144 deputados, devido à rejeição da esquerda em apoiar o texto da extrema-direita.
“A suspensão anunciada” da reforma das aposentadorias “não passa de um engano, uma armadilha, um subterfúgio”, afirmou antes da votação a deputada Aurélie Trouvé (LFI), ao pressionar os ex-aliados socialistas.
Suspensão da reforma da previdência
Sébastien Lecornu anunciou que a reforma da Previdência francesa está suspensa até as eleições presidenciais de 2027, que deve ocorrer durante a primavera no hemisfério norte. Além disso, ele garantiu que não haverá aumento da idade de aposentadoria até janeiro de 2028, atendendo a uma exigência dos partidos de esquerda e dos sindicatos de trabalhadores.
Para evitar o agravamento da crise política, o primeiro-ministro conseguiu convencer o Partido Socialista a aceitar sua proposta de debate parlamentar. O que pesou na decisão dos socialistas foi o compromisso do governo de apresentar um projeto de orçamento que poderá ser discutido, emendado e votado em plenário — sem recorrer ao artigo 49.3 da Constituição, que permite a aprovação forçada, sem votação.
Como parte da negociação, Lecornu também anunciou a suspensão da impopular reforma da Previdência, contrariando a posição histórica de Emmanuel Macron, que sempre rejeitou rever a medida. Apesar do anúncio, ainda há incertezas sobre como essa suspensão será formalizada: a proposta é que ela seja incluída como uma emenda ao projeto de orçamento para 2026, que deve ser votado até o fim do ano.
O orçamento apresentado prevê um esforço fiscal de 30 bilhões de euros (cerca de 190 bilhões de reais), com cortes significativos nos gastos públicos, em resposta a uma dívida que já ultrapassa 3,4 trilhões de euros — o equivalente a 115,6% do PIB francês.
Essa vinculação entre a suspensão da reforma da Previdência e a aprovação do orçamento coloca os socialistas diante de um dilema: aceitar um plano fiscal com cortes sociais em troca da primeira vitória política sobre Macron, ou rejeitá-lo e arriscar-se a perder o avanço conquistado — celebrado pela esquerda e pelos sindicatos como um recuo histórico do governo.
“Nosso voto contra a moção de censura hoje não representa, de forma alguma, um pacto de não censura”, advertiu o deputado socialista Laurent Baumel, dirigindo-se a Sébastien Lecornu da tribuna da Assembleia. “Não estamos nos comprometendo com nada, e muito menos com a aprovação do orçamento recessivo e injusto que seus ministros nos apresentaram.”
Imposto Zucman
O Partido Socialista anunciou a intenção de apresentar uma emenda instituindo o chamado “imposto Zucman”, um tributo mínimo sobre grandes fortunas, inspirado nas propostas do economista Gabriel Zucman. A direita rejeita categoricamente a medida.
“O debate vai começar. E, voto a voto, veremos quem apoia o imposto Zucman (a esquerda), para aliviar os franceses, e quem apoia os bilionários (a direita e a extrema direita)”, escreveu no X (antigo Twitter) o primeiro-secretário do PS, Olivier Faure.
A análise do projeto orçamentário começa na segunda-feira 20, na Comissão de Finanças da Assembleia Nacional, e será o próximo teste da frágil maioria do governo.
(com AFP)