
O movimento de retorno presencial voltou ao centro das decisões corporativas, mesmo diante de pesquisas que indicam preferência ampla pela flexibilidade. Estudos no Brasil e no exterior mostram que modelos remotos e híbridos continuam associados a melhor bem-estar, maior equilíbrio entre vida pessoal e profissional e níveis elevados de produtividade. Ainda assim, empresas têm retomado políticas rígidas de presença física.
A decisão do Nubank de encerrar o trabalho totalmente remoto e adotar o híbrido obrigatório a partir de 2026 reacendeu o debate no país. O banco prevê dois dias de presença por semana em 2026 e três dias em 2027, logo após registrar um dos trimestres mais lucrativos de sua história — lucro líquido de US$ 637 milhões e ROE anualizado de 28% no segundo trimestre de 2025 — operando com equipes distribuídas.
Ao mesmo tempo, o banco anunciou expansão de escritórios em diversas cidades, como São Paulo, Belo Horizonte, Campinas, Cidade do México, Bogotá, Rio de Janeiro, Montevidéu, Buenos Aires, Washington D.C., Palo Alto, Miami, Berlim e Durham. Para analistas, o movimento envolve mais simbologia do que estratégia operacional.
Sylvestre Mergulhão, CEO da Impulso, avalia que parte dessas decisões busca retomar controle hierárquico. Para ele, presença física não garante alinhamento. “Cultura se apoia em clareza, confiança e responsabilidade”, afirma.
Dados não sustentam retorno presencial compulsório
Pesquisas indicam que a preferência dos trabalhadores segue distante das exigências corporativas. O estudo da USP e da FIA Business School mostra que 94% dos profissionais em trabalho remoto relatam melhora na qualidade de vida. A Gallup registra que 75% dos trabalhadores híbridos veem maior equilíbrio na rotina. A Robert Half aponta que 67% considerariam pedir demissão se suas empresas cancelassem políticas de flexibilidade.
No Brasil, o relatório “Saúde Mental em Foco 2025”, da Vittude com Opinion Box, revela que 48,1% preferem o modelo híbrido com autonomia na escolha dos dias. Apenas 30,8% apontam o modelo totalmente presencial como o mais adequado ao seu bem-estar. Para Mergulhão, a diferença é clara: modelos flexíveis ampliam satisfação e reduzem exaustão emocional.
Saúde mental pressiona decisões
A volta ao escritório traz impactos para além da rotina profissional. Deslocamentos longos, trânsito, imprevisibilidade no dia a dia e perda de tempo de descanso são fatores citados como gatilhos de ansiedade. O estudo da Vittude também indica que ambientes com baixa autonomia e alta pressão elevam riscos de exaustão e desengajamento.
A consultoria EY mostra que 74% dos empregadores acreditam que a produtividade aumentou com o avanço da flexibilidade. Entre os trabalhadores, esse percentual sobe para 80%. A leitura dos dados reforça que a discussão vai além de métricas e alcança aspectos humanos da organização.
Outro ponto de tensão é o aumento da vigilância digital. Empresas têm recorrido a softwares de monitoramento de produtividade, captura de telas e métricas agressivas. O cruzamento entre controle presencial e rastreamento remoto amplia debates sobre privacidade e confiança.
Insegurança no setor tecnológico
As mudanças chegam em um contexto sensível. O setor de tecnologia vive ciclos de demissões, enquanto o avanço da inteligência artificial alimenta incertezas sobre o futuro do trabalho. Para muitos profissionais, o retorno obrigatório ocorre no momento em que a pressão psicológica já é elevada.
A pesquisa da Vittude mostra que 73,2% dos brasileiros não fazem acompanhamento psicológico por falta de condições financeiras, o que agrava vulnerabilidades. Mergulhão alerta para decisões que tratam tecnologia como justificativa para cortes, sem avaliar impactos organizacionais.
O futuro em disputa
Para o CEO da Impulso, o movimento do Nubank deve influenciar debates no mercado. Ele afirma que empresas precisam definir se atuarão com base em confiança e resultados ou se irão reforçar modelos centrados em controle, em um momento no qual dados apontam outra direção.
O caso mostra que decisões sobre modelos de trabalho precisam dialogar com expectativas reais das equipes. A forma como as empresas interpretarão essas evidências definirá os rumos da experiência profissional — seja no remoto, no híbrido ou no presencial.
