Porcos, brutos e malvados – CartaCapital

Sem um toque suburbano, a conspirata golpista que agora tenta livrar os réus do encontro com a Justiça não seria um produto tipicamente brasileiro. No fim da tarde da quarta-feira 20, enquanto a Polícia Federal cumpria mandados de busca e apreensão contra o pastor Silas Malafaia, general das hostes empenhadas em fustigar o Supremo Tribunal Federal, o ministro Alexandre de Moraes liberou trechos de conversas entre o líder pentecostal, o ex-presidente Jair Bolsonaro e o deputado foragido Eduardo. Sobram palavrões e punhaladas, como veremos adiante. Os investigadores também localizaram em um celular apreendido de Bolsonaro pai o rascunho de um pedido de asilo político ao presidente da Argentina, Javier Milei, prova dos planos de fuga do capitão.

O pedido de asilo integra um relatório enviado ao STF na sexta-feira 15, no qual a PF aponta indícios de que Bolsonaro e o filho Eduardo cometeram crime de coação no curso do processo. Desde março, o filho “Zero Três” do ex-presidente está nos EUA, conspirando abertamente contra a economia e a soberania das instituições do Brasil com o objetivo de impedir o julgamento do pai, apontado como líder da trama golpista. Presidente da Primeira Turma do Supremo, o ministro Cristiano Zanin agendou para 2 de setembro o início das sessões para analisar o caso.

O complô de pai e filho surtiu efeito. No início de julho, Donald Trump anunciou uma tarifa de 50% sobre produtos importados do Brasil. Em carta aberta endereçada ao presidente Lula, o norte-americano esclareceu que a medida era uma represália ao julgamento de Bolsonaro. “É uma Caça às Bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE!”, registrou, assim mesmo, em letras garrafais. Semanas depois, o Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros, OFAC, na sigla em inglês, comunicou a imposição contra Moraes da Lei Magnitsky, criada para punir cidadãos de outros países envolvidos em graves violações de direitos humanos.

A investigação contra Eduardo Bolsonaro começou em maio, após ­Moraes acolher um pedido da Procuradoria-Geral da República para apurar as práticas de coação e tentativa de obstrução da Justiça nas movimentações de Zero Três pelos EUA. A recente ofensiva da PF alcançou ainda Malafaia, que teve o celular apreendido no Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, após desembarcar de um voo de Lisboa. Por determinação de Moraes, o líder religioso teve os passaportes cancelados, está proibido de deixar o País e não pode manter contato com o ex-presidente e o filho, nem mesmo por intermédio de terceiros. O magistrado também autorizou a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico do pastor.

Malafaia, diz a PF, articulou-se com outros investigados para “definir estratégias de coação e difundir narrativas inverídicas”, com o objetivo de “coagir membros da cúpula do Judiciário”. Os investigadores acrescentam que o pastor instigou Bolsonaro a descumprir as medidas cautelares impostas pelo STF, em especial a restrição ao uso das redes sociais, chegando a indicar os melhores horários para que as postagens fossem retransmitidas. “Atenção! Dispara esse vídeo às 12h”, orientou, em uma das mensagens encontradas no celular do ex-presidente.

“VTNC SEU INGRATO DO CARALHO”, escreveu em letras garrafais o filho para o pai

As conversas extraídas do aparelho confirmam que o objetivo nunca foi garantir uma “anistia ampla, geral e irrestrita” para salvar a pele das “velhinhas” e “manicures” que devastaram Brasília no 8 de Janeiro. Bastava livrar a cara do chefe do clã, como revela uma mensagem enviada por Eduardo ao pai em 7 de julho, dois dias antes de Trump anunciar o tarifaço ao Brasil: “Temos que decidir entre ajudar o Brasil, brecar o STF e resgatar a democracia OU enviar o pessoal que esteve num protesto que evoluiu para uma baderna para casa num semiaberto. Neste cenário vc: não teria mais amparo dos EUA, o que conseguimos a duras penas aqui, bem como estaria igualmente condenado no final de agosto”.

De resto, a troca de mensagens entre pai, filho e espírito santo, ou melhor, Malafaia desnuda a intestina disputa de poder pelo espólio político do capitão. Há tempos, Eduardo Bolsonaro vinha atacando o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, por sua postura vacilante diante do tarifaço – ora aplaudindo a iniciativa, ora buscando negociar um alívio com autoridades norte-americanas. Foi o que bastou para Zero Três chamá-lo de traidor. Em entrevista ao site Poder360, Jair Bolsonaro desautorizou o filho, dizendo que ele “não é tão maduro, talhado para a política”. O deputado perdeu a linha e desferiu furiosos impropérios ao pai: “Eu ia deixar de lado a história do Tarcísio, mas, graças aos elogios que você fez a mim no Poder360, estou pensando em dar uma porrada nele, para ver se vc aprende. VTNC SEU INGRATO DO CARALHO”, escreveu Eduardo. “Se o IMATURO do seu filho de 40 anos não puder encontrar com os caras aqui, PORQUE VC ME JOGA PRA BAIXO, quem vai se fuder é vc. E VAI DECRETAR O RESTO DA MINHA VIDA NESTA PORRA AQUI.” Aparentemente, a estada na Trumplândia não tem sido muito agradável, mesmo com os 2 milhões de reais de ajuda de custo enviados pelo chefe do clã ao “exilado”.

No mesmo dia, Malafaia recriminou o comentário de Bolsonaro e acrescentou que foi o próprio ex-presidente quem solicitou a intervenção do governador paulista. “Agora, presidente, você me desculpa. Você podia até defender o Tarcísio. Porque foi você que mandou Tarcísio na embaixada e falar com o Gilmar (Mendes, ministro do STF). Agora, você queimar seu garoto, aí não. Vai me desculpar. E olha que eu bato, eu mando mensagem para Eduardo batendo nele. Isso é um erro estratégico, de alto grau. Você não tinha que bater no rapaz. Olha o trabalho que o cara está fazendo.”

O pastor realmente tem o costume de “bater no rapaz” quando julga necessário. Dias antes, havia criticado a inexperiência de Zero Três ao defender o tarifaço de maneira atabalhoada, ignorando a repercussão negativa da sociedade, que vai pagar a conta: “Esse seu filho Eduardo é um babaca, inexperiente, que está dando a Lula e à esquerda o discurso nacionalista, e ao mesmo tempo te ferrando. Um estúpido de marca maior. ESTOU INDIGNADO! Só não faço um vídeo e arrebento com ele porque é por consideração a você. Não sei se vou ter paciência de ficar calado se esse idiota falar mais alguma asneira”. E ainda arrematou em áudio: “Dei-lhe um esporro, cara. Mandei um áudio para ele de arrombar. E disse: a próxima que tu fizer, gravo um vídeo e te arrebento, falei para o Eduardo. Vai para o meio de um cacete, pô”. Coisa de gângster. •

Publicado na edição n° 1376 de CartaCapital, em 27 de agosto de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Porcos, sujos e malvados’



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