A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou nesta terça-feira (11) o julgamento do Núcleo 3 da tentativa de golpe, integrado por nove militares, integrantes do grupo chamado “Kids Pretos” e um ex-agente da Polícia Federal, acusados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de planejarem o assassinato de Alexandre de Moraes, e do presidente e vice-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin.
No início da sessão, Moraes, que é relator da ação, apresentou um relatório extenso, detalhando o processo, as diligências deferidas e indeferidas, a oitiva do colaborador Mauro Cid e as alegações finais da PGR e das defesas dos dez réus.
Por sua vez, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, solicitou a condenação de nove, dos dez réus, pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
No caso do tenente-coronel Ronald Ferreira de Araújo Júnior, o PGR concluiu não haver provas suficientes para acusação pelos cinco crimes, pedindo, portanto, que acusação contra o militar seja rebaixada e que ele responda somente por incitação ao crime.
Em sua sustentação oral, Paulo Gonet, detalhou as provas colhidas na instrução penal e a conexão dos réus às ações táticas da organização criminosa. O PGR afirmou que há “materialidade incontroversa” dos fatos expostos e destacou que os elementos probatórios “escancaram a declarada disposição homicida e brutal da organização criminosa”.
“As investigações escancaram a declarada disposição homicida e brutal da organização criminosa, que para isso se articulou e se lançou a providências executórias devidamente armadas”, disse o PGR.
Gonet defendeu que, em uma organização criminosa, os membros “respondem pelos ilícitos por ela cometidos, uma vez comprovada a prática por cada um de ações concretas dolosamente dirigidas aos fins buscados pelo grupo” e chegou a ler mensagens trocadas entre os réus sobre a tática golpista.
“Vladimir Matos Soares declarou que fazia parte de uma equipe de operações especiais que estava pronta para defender o presidente e com poder de fogo elevado para empurrar quem viesse à frente”, afirmou, mencionando ainda diálogos em que réus defenderam o assassinato do próprio ministro relator da ação penal, Alexandre de Moraes.
“O réu explicitou o alvo central, declarando: ‘O Alexandre de Moraes realmente tinha que ter tido a cabeça cortada’ e ‘A gente estava preparado para isso, inclusive para ir prender o Alexandre de Moraes”, completou. “O acusado confirma, como dito na imputação, que a ruptura institucional posta em marcha somente não aconteceu pela resistência dos comandos do Exército e da Aeronáutica”, agregou Gonet.
Quem são os réus
- Bernardo Romão Corrêa Netto (coronel do Exército)
- Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira (general da reserva)
- Fabrício Moreira de Bastos (coronel do Exército)
- Hélio Ferreira Lima (tenente-coronel do Exército)
- Márcio Nunes de Resende Jr. (coronel do Exército)
- Rafael Martins de Oliveira (tenente-coronel do Exército)
- Rodrigo Bezerra de Azevedo (tenente-coronel do Exército)
- Ronald Ferreira de Araújo Jr. (tenente-coronel do Exército)
- Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros (tenente-coronel do Exército)
- Wladimir Matos Soares (agente da Polícia Federal)
Defesas
As defesas dos réus apresentaram uma série de argumentos para corroborar suas teses de absolvição, nulidade processual ou desclassificação das condutas. A argumentação dos advogados centrou em pontos considerados confusos ou contraditórios da acusação, como imprecisão de informações ou suposta ausência de provas.
Segundo os advogados, o sentido real das ações que vinham sendo articuladas pelos réus era de simples assessoramento dos comandantes para “esclarecer que o Exército não faria qualquer tipo de intervenção” no sentido de garantir uma “pacificação social”.
“O Exército era contra a ruptura institucional. Mas um silêncio ensurdecedor. O Exército não se manifestava, era preciso dizer. As pessoas não podiam ter dúvidas. As pessoas iam que desmobilizar os acampamentos, voltar para sua rotina, voltar para casa. Isso o réu chamou de pacificação social”, disse Ruyter de Miranda Barcelos, advogado de defesa de Bernardo Romão Correa Neto.

As defesas sustentaram ainda a tese de um “encontro informal” os “Kids Pretos”, em que, segundo a PGR, teriam sido discutidos detalhes da trama golpista. A informação foi revelada pela delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid.
“Em alguns depoimentos para a Polícia Federal e em um depoimento com a presença do Estado acusador e do ministro relator, a pergunta do ministro relator sobre a reunião, a resposta foi: ‘uma conversa de bar, um encontro de amigos. Não teve pauta, não teve tarefas a realizar’. Eu fico na dúvida, excelências, a delação não foi validada pela Primeira Turma, por vossas excelências? Se a delação foi validada para acusar, ela é válida para defender. Paridade de armas. Então, é verdade que foi apenas um encontro de amigos”, disse Barcelos.
Além desses argumentos, as defesas retomaram alegações que já haviam sido avaliadas nas preliminares do julgamento e afastadas pelos ministros da Primeira Turma. Nesse sentido, voltaram a defender a nulidade do processo por suposto cerceamento de defesa devido à juntada “exorbitante, desorganizada de dados”, conhecida no mundo jurídico como “document dump” e à suposta negativa de perícia técnica em documentos usados pela acusação.
Também argumentaram nulidade da colaboração premiada de Mauro Cid por “manifesta ausência de voluntariedade”, em referência a mensagens do delator vazadas à revista Veja, em que Cid critica os métodos das investigações. Ainda houve alegações sobre uma eventual “suspeição” do ministro relator, por ser uma das “vítimas diretas dos fatos narrados”, e do presidente da Primeira Turma, ministro Flávio Dino, por haver sido ministro da Justiça do atual governo.
Por sua vez, Rafael Favetti, advogado de defesa do coronel Márcio Nunes de Resende Jr., reconheceu que as ações discutidas na ação penal se refere a um “cenário de gravidade”, mas pediu que as condutas dos réus fossem devidamente individualizadas e defendeu a inocência de seu cliente.
“Sei que o caso é difícil, o caso não é fácil, o caso tem sobre si uma cena e um cenário de gravidade que não se nega e acho que poucas pessoas negam. Porém, com disse um decano de muito tempo e saudosíssimo desta Primeira Turma, a gravidade do caso não pode ser míope para a avaliação de condutas individuais”, clamou Favetti.
Outro advogado de defesa reclamou de Moraes, por haver determinado que um dos réus prestasse depoimento sem o uniforme miliar, e por esse motivo, pediu que a instrução fosse anulada, alegando suposto abuso de autoridade do ministro relator.
“Parece que estamos fazendo questão de um capricho, mas poderia ser qualquer outra roupa. O ponto não é usar o uniforme ou não. O ponto é, está se dispensando um tratamento que viola os direitos e garantias desse cidadão que está a prestar um depoimento no momento mais importante, pelo menos para ele, nessa ação penal”, disse Renato da Silva Martins, advogado do tenente-coronel Rafael Martins de Oliveira.
Sobre esse aspecto, o presidente da turma, ministro Flávio Dino, fez questão de esclarecer o ponto de vista da Corte. “Podem consultar fartamente o que aconteceu em 2023 em torno do comparecimento ou não do senhor Mauro Cid, fardado ou não, ao Congresso, em audiências, na Polícia Federal. E houve inclusive uma notificação do Ministério Público Militar questionando o uso da farda”, lembrou Dino.
“O que está em questão para o Supremo, e eu falo como presidente da turma, é essa polêmica que é do Exército brasileiro. Em que condições a instituição deve ou não se fazer representar por um símbolo que não é pessoal? A toga não nos pertence, pertence ao Supremo, tanto que quando a gente vai embora, ela fica. Do mesmo modo em relação ao uniforme. O uniforme não é pessoal, ele é do Exército brasileiro. E essa foi a razão dessa preocupação institucional que aconteceu neste episódio”, completou.
Próximos passos
Na sessão desta terça, foram ouvidos os advogados de defesa de seis réus e será retomado na quarta-feira (12) pela manhã, com os quatro restantes. Também a sessões marcadas para os dias 18 e 19 novembro. A expectativa é que os votos dos quatro ministros que atualmente compõem a Primeira Turma comecem a ser colhidos na próxima semana.
Até agora, apenas o ministro Luiz Fux havia divergido e votado pela absolvição dos réus que foram a julgamento. No entanto, o magistrado pediu transferência para a Segunda Turma, e por isso, não participa do julgamento do Núcleo 3.
O STF já concluiu o julgamento dos núcleos 1 e 4, o primeiro, formado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais sete ex-integrantes de seu governo, resultando na condenação de todos os réus.
Além do Núcleo 3, ainda falta julgar o Núcleo 2, formado por seis réus, acusados de espalhar desinformação e ataques a instituições. O STF ainda não apreciou o acolhimento da ação penal contra o Núcleo 5, que é integrado unicamente por Paulo Figueiredo, neto do ex-ditador João Figueiredo, que tem residência e se encontra nos Estados Unidos.
