Fernando Diniz durante apresentao seleo brasileira
O porm
O Fluminense tinha uma escolha. Faltam uns 150 dias para o fim da temporada, e o clube poderia buscar um novo tcnico, exigindo exclusividade do profissional, ou topar que Fernando Diniz vai ser convocado pela seleo e, por isso, se ausentar em cerca de 27 dias, trs rodadas de eliminatrias que tomam uns 9 dias cada. Na ltima parada da seleo, o clube teve quatro dias de folga e cinco de trabalho no perodo sem jogos, assim como o lder Botafogo. No Palmeiras, por exemplo, Abel Ferreira passou seis dias em Portugal.
Volto ao pensamento acima: existem as convices, mas tambm as circunstncias. Na dividida em que se meteram, o clube precisou ponderar, a seleo idem. Acredito que o Fluminense perderia muito sem seu tcnico, e apesar de viver semanas menos brilhantes a equipe est na parte de cima da tabela nacional e com perspectiva real de competir bem na disputa continental. Se confia em seu profissionalismo, vale. Acredito ainda que a seleo evita o mal estar de prejudicar o clube e mesmo assim conta com o nome que desejava, ainda que empregado.
Por isso no sou totalmente contrrio ao acmulo de cargos, e acho que cada caso um caso. Por um perodo, sem longas janelas e com a temporada do clube em seu momento mais sensvel, pode fazer parte, ainda mais com a dificuldade recente do time nacional em ter a elite dos treinadores. A maioria deles ao redor do mundo no quer nem saber dessa coisa de seleo.
A convocao
Eu quase que nada sei, mas desconfio de muita coisa, diz Riobaldo em Grande Serto: Veredas. Quem acompanha o futebol brasileiro educado a ter os dois ps atrs. As pessoas no acreditam na idoneidade das convocaes da seleo desde que o Brasil jogava de branco nas Laranjeiras h mais de sculo. Bairrismo, influncia de empresrio, panela, prejudicar um time, aliviar o outro etc. O torcedor antes de tudo um conspiracionista.
No caso do Brasil, existe um complicador que ele prprio insiste em no resolver. O campeonato para apenas parcialmente, sem jogos no final de semana porm com rodada no dia seguinte partida da amarelinha. Por isso, ainda que a Confederao insista em fingir que a questo foi melhor tratada, os times seguem ficando desfalcados por conta do tempo de viagem e da impossibilidade fisiolgica de colocar o atleta para jogador em dois dias seguidos. No d.
Aqui vo alguns pontos at bvios. Primeiro que essa agenda seria plenamente ajustvel se fosse do desejo do campeonato. O Brasil joga tera e a rodada teria que comear s a partir de sexta. Segundo que em vrios momentos dessa situao foram colocados critrios de bom senso, como no chamar jogadores que esto disputando o ttulo ou limitar um nmero de atletas por clube. Terceiro que a data Fifa j implode os elencos independentemente do chamado brasileiro – Arrascaeta, Arias, Pulgar, Piquerez, Gomz e tantos outros jogaro por seus pases sendo fundamentais em seus times titulares. Quarto que Ramon, o interino anterior, acaba de atrapalhar as equipes sem nenhum constrangimento maior, e o Palmeiras, por exemplo, perdeu um jogo sem Weverton, Veiga e Rony.
Diante de tudo isso se prolongando por dcadas, fica pesado tambm creditar toda uma questo tica nas costas do responsvel da vez. O ajuste do calendrio poderia ter sido mais bem feito nos seis anos de estabilidade de Tite, tendo aproveitado um momento de aceitao. Debater interesses cruzados nesse assunto especfico soa apenas paliativo, porque no resolver a questo central. O tcnico deveria no desfalcar nem o Fluminense, nem o Flamengo, nem time nenhum. Eles sero desfalcados, ponto, com Diniz, Ancelotti ou um cachorro de tcnico.
Quem treina a seleo precisa chamar os jogadores que quer, ponto. No caso brasileiro, ele precisa fazer concesses, e vai ser acusado de atrapalhar ou beneficiar de toda forma. Tite no treinava time nenhum e vivia a mesma questo. O campeonato um puxadinho desde quando Diniz era jogador.
O time
Fernando Diniz pode fazer muito bem seleo, e isso parece o bastante. Melhora o nvel individual dos jogadores e impacta a confiana coletiva de seus times. notvel o quanto ele provoca um alto nvel de intensidade, de movimentao e de autoestima para a construo de jogadas e um jogo pautado pelo domnio tcnico, o que costuma cair bem aos jogadores.
um tcnico exigente com seu modelo de jogo, muitas vezes radical at. Prope elevar a capacidade com a bola de atletas que muitas vezes jamais tinham demonstrado nvel para tal, e no faz grande distino em relao s peas que tm nas mos. Diniz molda o onze ao seu jeito, ao mesmo tempo que d liberdade para que os boleiros se sintam bem com a posse em seus ps. um comandante de assinatura bem definida, rgida.
Talvez o trao mais claro seja a aproximao dos jogadores no setor da bola. No plano do Fluminense, quem recebe j v a turma chegando, numa obsesso por ter vrias possibilidades de passe e procurar o espao de acordo com o que a jogada est pedindo. Na seleo brasileira que jogou a Copa era impossvel, por exemplo, imaginar uma tabela de Vinicius Junior com Raphinha, j que os pontas precisam abrir o campo e esperar o giro da bola para partirem para cima.
diferente do que faz Ancelotti, mas no de forma to radical. O italiano conhecido por ser um timo gestor de talentos e um treinador bastante malevel, menos dogmtico que vrios de seus pares. Vini espera aberto, sim, mas tambm combina e troca muito mais com Benzema do que fez com Richarlison. Rodrygo muitas vezes escalado na ponta-direita do Real Madrid e ainda assim mantm a abertura para circular e procurar o jogo sem tanta dureza na ocupao do espao fixo. tambm preciso ponderar que Carlo trabalha com talento abundante (assim como a seleo), enquanto Fernando precisa de um time que coletivamente encontre essa harmonia fina.
Ento claro que haver mudanas de um trabalho para o outro, mas no vejo o italiano recusando sinais que sero deixados pelo brasileiro. Ainda que existam diferenas nos elencos e nas escolhas, uma espinha do time – Alisson, Marquinhos, Casemiro, Rodrygo e Vinicius, alm de Neymar – sero provocados ao jogo de Diniz e podero somar isso ao seu repertrio, se juntando ao que trazer o treinador europeu. Diniz, alis, que muito criticado por no conseguir manter seus times jogando bem por um perodo mais longo, por outro lado costuma ser elogiado pelo legado que deixa a seus sucessores nessas combinaes e mecanismos.
Entendo a implicao ttica em tentar combinar dois treinadores, duas cabeas para um trabalho que ainda nem comeou. um cenrio atpico, claro, e nem sabemos se o Brasil estar ganhando ou perdendo, jogando bem ou se arrastando, daqui um ano. Mas no deixa de ser uma boa notcia que a seleo, enfim, ser cuidada por dois bons treinadores, capazes de melhorarem o que ficou de uma base eliminada na Copa de forma traumtica. Se melar com Ancelotti, o que seria uma vergonha histria para a CBF nessa altura, j haver o trabalho do tcnico preferido dentro do cenrio brasileiro. Para o que dava para ser, hoje, em julho de 2023, me parece uma aposta bem interessante.