Os principais avanços e os maiores retrocessos da luta LGBT+ no mundo, segundo historiadora americana – Diversidade – CartaCapital

Qual a origem da LGBTfobia? E o que falta para a população LGBT+ ter acesso a todos os seus direitos? A luta por igualdade talvez seja o grande ponto a unir as histórias da comunidade no mundo inteiro.

Em todas as partes, pessoas LGBT+ ainda são vítimas da violência e travam as mesmas batalhas na busca pelo direito de existir. A fim de entender a origem do preconceito e os desafios para conquistar a igualdade, a historiadora e pesquisadora americana Laura A. Belmonte traça um panorama da história no livro LGBT+ na Luta – Avanços e retrocessos.

Na obra, a autora crava que, mesmo diante de avanços, essa disputa ainda enfrenta obstáculos que se repetem em diversos países.

Com apresentação de Luiz Mott, professor titular de Antropologia da Universidade Federal da Bahia e fundador do Grupo Gay da Bahia, o livro consolida anos de pesquisas e se soma ao compilado de diversos autores e atores políticos que contribuíram para a história do movimento.

Com uma narrativa clara e objetiva, Belmonte abre o texto com um resgate histórico das primeiras proibições oficiais das práticas homoafetivas, por parte da Igreja e de religiões, e das primeiras leis instituídas por regimes e governos.

Em uma perspectiva transnacional, a autora debate os momentos mais significativos da luta LGBT+ e de seus movimentos, como o Queer. Entre vitórias marcantes como Stone Wall e derrotas amargas como a Operação Tarântula no Brasil – que caçou travestis e pessoas trans durante a ditadura militar –, Belmonte traz o relato mais atualizado sobre o histórico e as perspectivas da comunidade.

Em entrevista a CartaCapital, ela comenta a origem de sua pesquisa acadêmica e seus importantes resultados. Confira os destaques:

CartaCapital: O começo da proibição de práticas homoafetivas é alvo de debate. É possível definir quando houve a primeira proibição à relação entre pessoas do mesmo sexo?

Laura A. Belmonte: As ações proibitivas em relação à homossexualidade variaram amplamente desde os tempos antigos até o final do século XVIII. Os antigos indianos, egípcios, romanos, gregos, chineses e alguns povos indígenas toleravam o comportamento sexual desviante entre pessoas do mesmo sexo. Mas, com a ascensão do judaísmo, do cristianismo e do islamismo, a tolerância muitas vezes deu lugar à condenação bíblica.

Interpretações contestadas de duas passagens de Levítico na Torá, a história de Sodoma e Gomorra na Bíblia e a Sura 4:16 no Alcorão formaram códigos legais que se espalharam pela Eurásia e pela África. Muitos desses códigos criminalizavam a sodomia definida em diversas maneiras.

Em contraste, a primeira lei de sodomia da Inglaterra, em 1533, não definia a sodomia em si, mas impunha a pena para “o vício detestável e abominável da sodomia cometida com a humanidade ou com animais”. Notavelmente, essas leis visavam atos sexuais não procriativos, e não grupos específicos de pessoas.

CC: Qual a motivação para estudar a trajetória e a história do movimento LGBT+ no mundo?

LB: Este livro é a primeira síntese da história do movimento internacional pelos direitos de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros. Embora tenhamos aprendido muito sobre a história do movimento LGBT+ em determinados países e regiões, não tínhamos uma narrativa abrangente que colocasse os acontecimentos em diferentes partes do mundo no mesmo contexto.

A obra traça essas ligações para mostrar como e por que os padrões de progresso e repressão fluem transnacionalmente e como os ativistas LGBT+ encontraram e inspiraram essas questões muito antes do que suspeitávamos.

Este livro foi escrito para o público em geral, para apresentar às pessoas essa rica história, esclarecer onde ainda temos lacunas e encorajar outros a produzirem estudos adicionais sobre o tema.

CC: A luta avança ou caímos em repetições cíclicas em relação ao combate à LGBTfobia?

LB: Desde as origens do movimento no século XIX até o presente, o progresso em direção à igualdade é um avanço frágil. Grandes vitórias às vezes provocam grandes reações adversas. Uma área do mundo pode estar passando por mudanças jurídicas, políticas e sociais positivas enquanto outra está mergulhada numa intensa repressão anti-LGBT.

Esse é certamente o caso de hoje. No século XXI, a legalização do casamento homoafetivo avançou notavelmente e com rapidez em grande parte de Europa, América Latina e América do Norte, ao mesmo tempo em que uma onda de leis anti-LGBT varreu a Rússia, a Polônia, a Hungria e países na África.

CC: A proibição das práticas LGBT na América Latina pode ser considerada uma pauta importada dos países colonizadores?

LB: Em muitos lugares, as leis que criminalizam as relações homoafetivas tiveram origem em códigos legais impostos pelas potências coloniais europeias e os costumes culturais formados pelo catolicismo, que moldaram as atitudes da sociedade em questão.

Mas também há exemplos mais modernos de regimes autoritários que atacam as pessoas LGBT como forma de reprimir a dissidência política, impondo normas tradicionais de moralidade e/ou reconhecendo que demonizar as pessoas LGBT para obter ganhos políticos foi eficaz na geração em que se busca o apoio.

CC: Ao falarmos sobre a luta LGBT+ no último século, a religião continua sendo o maior ator na produção da LGBTfobia?

LB: A religião continua sendo um fator-chave em algumas sociedades, mas as construções médicas da homossexualidade como algo patológico, a criminalização do comportamento sexual homoafetivo e a proibição em estabelecimentos públicos, como bares, em alguns países, também contribuíram para a perpetuação da LGBTfobia.

As representações negativas de pessoas LGBT na cultura popular também desempenham um papel na manutenção.

CC: Ao falar sobre o movimento LGBT, podemos definir o seu início? Qual foi o levante mais relevante para tratar dos direitos LGBT no Ocidente?

LB: Poderíamos argumentar que as decisões da França de descriminalizar a sodomia em 1791 e de omitir a sodomia do Código Napoleônico em 1804 estabeleceram um importante precedente jurídico que teve ramificações a longo prazo.

Os países que foram colonizados pelos franceses, por exemplo, não proibiram a sodomia. Aqueles que foram colonizados pelos britânicos, sim. Ainda hoje, o mapa dos países onde a homossexualidade permanece ilegal (aproximadamente 68 nações) está estreitamente correlacionado com esses legados do imperialismo.

Houve pioneiros que apelaram à legalização da sodomia consensual entre adultos já em meados da década de 1800 e um movimento transnacional inicial pelos direitos dos homossexuais surgiu no final da década de 1890 e floresceu até que a ascensão do fascismo na Europa, na década de 1930, o destruiu em grande parte.

Mas um movimento homófilo ressuscitado surgiu rapidamente após a Segunda Guerra Mundial e permaneceu ativo até ser suplantado pelo movimento de libertação gay mais conflituoso, que foi desencadeado pela Revolta de Stonewall, em 1969, na cidade de Nova York.

A historiadora e pesquisadora, Laura A. Belmonte. Foto: Arquivo pessoal/reprodução

CC: Nos últimos 50 anos, qual foi a maior perda da luta LGBT no mundo? É possível elencar os fatores decisivos para essa derrota?

LB: Mesmo os retrocessos mais infames, como a decisão Bowers v. Hardwick (1986), que defendeu as leis de sodomia dos EUA, e os anos de indiferença com muitas nações que responderam aos primeiros anos da epidemia de HIV/AIDS foram simultaneamente catalisadores para a mobilização LGBT.

Hoje, por exemplo, nem mesmo a aprovação de leis firmemente anti-LGBT em lugares como Rússia e Uganda silenciou alguns ativistas corajosos por protestarem, apesar do grande risco.

CC: Com o avanço da extrema-direita, estamos em retrocesso na luta por igualdade? E o movimento queer pode englobar a luta LGBT+ na América Latina, especialmente no Brasil, ou são necessárias adaptações?

LB: Sempre houve defensores corajosos cujo trabalho atraiu a atenção internacional, muito antes de podermos imaginar que isso ocorreria.

Walt Whitman, por exemplo, recebeu cartas de homens gays de muitos países que foram inspirados pelos seus escritos sobre o desejo pelo mesmo sexo. Magnus Hirschfeld, pioneiro do movimento alemão pelos direitos dos homossexuais no início do século XX, atraiu ao seu instituto em Berlim milhares de pessoas que procuravam compreender a sua identidade de gênero ou orientação sexual. Ele viajou por todo o mundo e acumulou a maior biblioteca mundial sobre comportamento sexual – a mesma biblioteca que os nazistas destruíram em 1933.

A questão é que a defesa de direitos baseada na nação nunca existiu em um vácuo e as ligações transnacionais, tanto formais quanto informais, moldaram táticas, estratégias e temas do movimento internacional pelos direitos LGBT ao longo de toda a sua história.

Mas a luta de cada nação também é distinta. Defender a igualdade LGBT enquanto vivia sob um governo totalitário foi e é uma experiência diferente de ser um ativista em um sociedade democrática na qual os direitos civis básicos são protegidos.

Ser LGBT no Brasil durante a era da ditadura foi uma experiência profundamente diferente da que existe agora. Lutar pelos direitos LGBT nos Estados Unidos na década de 1950, quando todos os estados proibiram a sodomia, todas as principais tradições religiosas condenaram a homossexualidade e o sistema médico definiu a homossexualidade como uma doença mental, foi uma experiência profundamente diferente de ser LGBT em 2024. Mas nunca se pode tomar os ganhos como garantidos.

Recentemente ministrei uma palestra para o Mês da História LGBT do Canadá e um ativista da Rainbow Railroad, um grupo que trabalha para ajudar refugiados LGBT que fogem de sociedades repressivas a obter asilo, mencionou que os Estados Unidos agora estão atrás apenas do Afeganistão e da Ucrânia como a maior fonte de pedidos de ajuda que recebem, um reflexo do medo legítimo que a atual onda de leis anti-trans introduzidas e aprovadas nos Estados Unidos gerou.

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