Cada vez mais e mais…E não sei se necessariamente tem ficado discípulos a altura de manter o legado construído, num tempo em que ser de candomblé não tinha nenhum prestígio, nem direitos. Não por incapacidade de aprendizado nem por ineficiência da prática do ensino-experiência, mas sobretudo, por um tempo “muito muderno” que tem tirado o valor das coisas simples e colocado demasiado valor, no que pouco ou nada interessa aos Irunmoles/Minkisi/Voduns/Encantados.

Com a partida recente do Babalorixá Idelson Sales de Ogunjá, do Terreiro Ilê Axé Ogunjá no dia 23 de abril. E também da partida de outros sacerdotes igualmente sérios, comprometidos e obstinados na preservação de suas tradições e na manutenção do legado de suas comunidades. Como o Taata Adroldo Plácido do Unzó Maiala, do Babalorixá Taosilé Ademário Costa, do Terreiro Ilé Axé Omo Odé Bualgi, do Babalorixá Dilmar Santiado de Ologunede, do Terreiro Ilé Asé Olo Omi, que ocorreram durante esses primeiros meses de 2024.

Fico temeroso, preocupado, mas não posso tomar as dores de Xangô, Oxum, Ogun… Todas essas deidades…das diversas nações e tradições… não precisam de defesa. Eles têm ciência, tem vista dupla.

O que me cabe fazer pra preservar o legado da religião, é fazer o que é correto, ainda que ninguém valorize, inclusive sem a perspectiva de que, nossas práticas não deem likes, ou mesmo engajamento. O que nos cabe, para honrar a memória desses, agora ancestrais, é fazer o que precisa ser feito, quando ninguém quer fazer, ou inventa um argumento pra não ser feito. Fazer o que se espera de um devoto compromissado, não apenas com sua comunidade, mas com os ferros e as pedras da sua casa.

Quem pôde conhecer cada uma dessas bibliotecas, que ardem quando nos deixam, sabe o valor de um ancião, de um velho, uma velha…A sabedoria reside na vivência.

Eu tenho pena, de quem não conheceu, de quem não acessou as páginas amareladas das vivências de um tempo outro, que não será novamente.

Quem é que sabe, hoje, como foram forjados os pés-de-dança? Esse desejado balançar dos ombros? O bailar levitado, que deixa incrédulo até os mais fervorosos?

Mas como disse, não há o que ser defendido, há o que ser preservado. E preservar é conservar o que se faz, como sempre foi feito, mantendo a força, independente do tempo outro que virá!

Isso garantirá que quando Nzambi, Olorun, Mawu, Tupã convoquem nossas lideranças, nada do que foi construído desmorone, que nada seja desfeito, desmanchado, perdido. Mesmo em meio a um tempo novo, de novas práticas, outros conceitos. O essencial será mantido.

Sua benção meu irmão Marlon Marcos, meu mais velho, poeta, antropólogo e professor, pela justa homenagem a Babá Idelson, que me permitiu escrever esse arrazoado, mas sobretudo pela delicadeza de despertar as reflexões sobre o que nos é mais caro, nessa jornada religiosa.

* Nilo Cerqueira é religioso de matriz africana e escreve semanalmente aos domingos para o Portal SSA.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *