Um dos principais palcos independentes de São Paulo, o Teatro de Contêiner Mungunzá foi alvo de uma ação de reintegração comandada por agentes da Guarda Civil Metropolitana, na tarde desta terça-feira 19, no centro da capital. A companhia está sob ordem de despejo da gestão Nunes (MDB), mas tem até a quinta-feira 21 para desocupar o terreno que abriga a sua sede, na região central da capital, por determinação da própria Prefeitura de São Paulo.
Segundo os artistas, os guardas surpreenderam o grupo ao exigir a desocupação imediata de um prédio anexo, ao lado da sede, usado desde 2017 para armazenar cenários e figurinos. O espaço, localizado na região da Santa Ifigênia, teria sido cedido à companhia por meio de um acordo feito com o então secretário de Cultura André Sturm, durante o governo João Doria (PSDB). O anexo fica junto ao muro que delimitava a Cracolândia, na Luz.
Vídeos publicados nas redes sociais mostram agentes da GCM invadindo o local, retirando integrantes do coletivo à força, usando gás de pimenta e até apontando armas contra os presentes, sob protestos e gritos de resistência.
O coletivo cobra que a prefeitura de São Paulo interrompa o processo de despejo ou remoção e reconheça o Teatro Contêiner como um patrimônio cultural e social da cidade.
“O que soubemos é que essa área será demolida, a toque de caixa, e servirá, inicialmente, de palanque eleitoral para o prefeito e o governador virem propagandear o alegado fim da Cracolândia“, disse à reportagem Lucas Brêda, um dos integrantes do coletivo. “Sabemos muito bem o que está por trás da difusão das pessoas que frequentavam o fluxo”, completou, condenando as ações de repressão em curso pelas forças de segurança pública.
CGM usa lança spray de pimenta durante ação de desocupação no Centro de SP. Foto: Luca Meola
A ofensiva desta terça ocorreu poucas horas depois de a Prefeitura negar um pedido de prorrogação de 120 dias para que o coletivo pudesse deixar o espaço. A gestão Nunes emitiu uma nova notificação, assinada em 6 de agosto pelo subprefeito da Sé, coronel Marcelo Vieira Salles, estabelecendo o prazo “improrrogável, sob pena de implementação da gradação coercitiva”.
Questionada por CartaCapital, a Prefeitura afirma que a operação visava a desocupação de um imóvel interditado e destinado à demolição, alegando que o local teria sido “invadido por um grupo” por meio de um acesso clandestino a partir do terreno do teatro. Segundo a gestão, diante da recusa em desocupar, “foi necessária uma intervenção”. O prédio agora estaria trancado e preservado.
O impasse entre o Teatro de Contêiner e a administração municipal se arrasta desde agosto de 2024. A Prefeitura sustenta que o terreno será destinado à construção de um empreendimento de interesse social, versão questionada pelos artistas. Alega ainda ter oferecido três terrenos alternativos, rejeitados pela companhia por não atenderem às condições técnicas para a atividade teatral. Os artistas, por sua vez, argumentam que a Prefeitura ignora a programação de espetáculos e eventos já firmados até dezembro, o que inviabilizaria a mudança imediata.
“É uma perseguição que mira justamente as pessoas que, para o prefeito e governador do estado, não devem estar em um território central, mas sim nas bordas da cidade”, critica Brêda. Ele relaciona a pressão à promessa do governador Tarcísio de construir, nos Campos Elíseos, um megacomplexo administrativo avaliado em 5,4 bilhões de reais, com sete edifícios, dez torres e capacidade para abrigar mais de 22 mil servidores.
O episódio também provocou reação de órgãos federais. Em nota conjunta, o Ministério da Cultura e a Funarte repudiaram a ação da GCM contra o Teatro de Contêiner e a ONG Tem Sentimento, que atua com geração de renda para pessoas em situação de vulnerabilidade na Cracolândia. Os órgãos destacaram não ter obtido resposta de um ofício enviado ao prefeito, em que pediam 180 dias para que a companhia encontrasse outro espaço, com mediação da Superintendência do Patrimônio da União. “Reforçamos nosso apelo para que o prazo seja ampliado e a negociação pacífica retomada com a maior brevidade possível.”