Após o tombo na eleição presidencial de 2023, poucos peronistas seriam otimistas o bastante para imaginar uma vitória no pleito legislativo da província de Buenos Aires menos de dois anos depois. Não à toa, o que ocorreu no último domingo 7 sacudiu a política e o mercado no país.
O bloco Força Pátria amealhou 47% dos votos, ante 34% de A Liberdade Avança (LLA, na sigla em espanhol), o partido do presidente Javier Milei. O ultraliberal reconheceu a derrota acachapante, mas rejeitou mudar o rumo de seu governo.
Para Nahuel Toscano, cientista político da Universidade de Buenos Aires, o que explica o resultado é a junção entre o desgaste provocado pelo escândalo dos áudios sobre Karina Milei, irmã e braço direito de Javier – supostamente envolvida em um caso de propina – e as dificuldades econômicas.
“É o pior momento de Milei desde o início de seu mandato”, resume Toscano, em entrevista a CartaCapital. Ainda assim, pondera, o desfecho da votação não significa necessariamente um crescimento do peronismo.
A província de Buenos Aires concentra 40% do eleitorado argentino e mais de 30% do Produto Interno Bruto do país. A eleição serviu para renovar 23 assentos no Senado local e 46 em sua Câmara dos Deputados.
A princípio, a disputa para as Casas de Buenos Aires aconteceria simultaneamente ao pleito legislativo nacional, em 26 de outubro. Quem bancou o desmembramento foi o governador Axel Kicillof, estrela ascendente do peronismo — a ex-presidenta Cristina Kirchner, maior liderança desse campo político no século, era contrária à separação.
O governador da província de Buenos Aires, Axel Kicillof, em 7 de setembro de 2025. Foto: AFP
Axel não apenas emerge como o grande vencedor do último domingo, mas dá mais um passo para se tornar candidato à Presidência em 2027. Resta muito tempo, mas a ausência de novas lideranças de projeção nacional e a inelegibilidade de Cristina jogam a favor do governador.
O novo capítulo da disputa, contudo, acontecerá muito antes disso. Em 26 de outubro, os argentinos irão às urnas para o pleito de meio de mandato, no qual Milei espera reverter sua minoria no Congresso. Os eleitores renovarão um terço do Senado e metade da Câmara dos Deputados.
“Para Milei, o resultado das eleições nacionais provavelmente será mais favorável que o das provinciais”, arrisca Nahuel Toscano. “No entanto, ainda não se sabe o que acontecerá com as principais variáveis econômicas após o resultado ruim de domingo.”
Confira os destaques.
CartaCapital: O que explica a derrota de Milei, o escândalo dos áudios ou razões econômicas?
Nahuel Toscano: Embora o escândalo do suborno possa ter tido um forte impacto no resultado eleitoral, a realidade é que o governo já enfrentava sérias dificuldades, principalmente econômicas. Nos últimos meses, houve uma desaceleração na recuperação econômica, uma queda nos salários reais e uma estagnação na queda da inflação (principal ativo de Milei).
Buenos Aires tem sido uma das províncias mais afetadas pelas medidas adotadas pelo governo de LLA, dada a forte influência da indústria, da construção e das obras públicas na atividade econômica da província.
Além disso, após a assinatura do novo acordo com o FMI, o governo se comprometeu a deixar o dólar flutuar entre bandas. Após derrotas políticas no Congresso e nas eleições provinciais, cresceram as projeções de que o preço do dólar não seria contido, provocando turbulência no mercado e expectativas de desvalorização.
CC: Este é o pior momento de Milei desde o início de seu mandato?
NT: Sem dúvida. O governo entrou em uma espiral de más notícias: denúncias de corrupção, maus resultados econômicos e derrotas políticas e eleitorais.
Este momento ruim pode ser observado em dados como o Índice de Confiança do Governo, que registrou seu menor resultado desde que Milei assumiu a Presidência. No entanto, o governo continua a ter uma base eleitoral sólida, o que não é desprezível, dada a baixa popularidade de outros políticos.
CC: O que o resultado diz sobre o estado atual do peronismo? Poderia ser este o início da reconstrução após o duro golpe das eleições nacionais de 2023?
NT: Primeiramente, é importante destacar que não se trata de o peronismo ter conquistado mais votos do que em outras eleições, mas de que a porcentagem a seu favor foi maior, dada a baixa participação eleitoral [63%].
Portanto, Milei perdeu mais do que o peronismo ganhou. No entanto, após a vitória, existe a possibilidade de o peronismo deixar o resultado das eleições de 2023 para trás e curar as feridas do árduo conflito interno entre Cristina Kirchner e Axel.
CC: Axel é o grande vencedor das eleições de Buenos Aires? É provável que ele concorra à Presidência em 2027?
NT: De fato, é o grande vencedor das eleições. Ele não só conseguiu derrotar o partido governista nacional, como provou que estava certo ao decidir separar as eleições nacionais e provinciais (medida à qual Cristina resistiu).
Axel busca ganhar força política e, para isso, precisa demonstrar que tem os votos. É provável que ele tenha tomado a decisão de dividir as eleições com uma candidatura presidencial em mente para 2027.
O governador aprendeu com os erros de Alberto Fernández, que foi presidente de 2019 a 2023 sem ser o líder político do partido.
CC: E a situação de Cristina?
NT: Cristina continua a desfrutar de forte apoio e liderança no peronismo. Axel entendeu que, para desafiá-la na liderança, não poderia confrontá-la abertamente — o que não fez.
A proscrição de Cristina deixa o eleitorado kirchnerista sem candidatos. A sucessão para sua posição de liderança já começou, e Axel teve um bom início.
CC: O que podemos esperar das eleições legislativas nacionais em 26 de outubro?
NT: Para Milei, o resultado das eleições nacionais provavelmente será mais favorável que o das provinciais. Isso porque a província de Buenos Aires tem sido um território desfavorável para ele, que desfruta de maior apoio em outras províncias.
No entanto, ainda não se sabe o que acontecerá com as principais variáveis econômicas após o resultado ruim de domingo. Se testemunharmos uma desvalorização cambial, o governo provavelmente terá de tomar decisões drásticas que se refletirão no bolso da população. Nessa situação, o governo estará em uma posição muito ruim nas eleições de outubro.