
Um pedido de vista do ministro André Mendonça interrompeu, nesta quinta-feira 30, o julgamento de uma ação no Supremo Tribunal Federal que definirá se policiais têm de informar aos suspeitos já no momento da abordagem — e não apenas durante o interrogatório formal — o direito de permanecer em silêncio. Até o momento, o STF tem três votos neste sentido.
O julgamento começou na quarta-feira, com a leitura do relatório e as sustentações orais das partes. O caso concreto diz respeito à prisão em flagrante de um casal em Brodowski (SP), em que a defesa argumenta que a confissão informal de uma das acusadas, sem a advertência sobre o direito ao silêncio, foi utilizada para fundamentar a condenação, em violação à Constituição.
A Defensoria Pública da União, a Ordem dos Advogados do Brasil e o Instituto de Defesa do Direito de Defesa reivindicam que o aviso deve ser obrigatório desde o primeiro contato entre policial e cidadão. Para essas entidades, a medida concretiza garantias constitucionais e evita que confissões informais, obtidas em contextos de vulnerabilidade, sirvam como base para condenações.
Já o Ministério Público de São Paulo sustentou que a exigência seria inviável em todas as abordagens e argumentou que a advertência só é necessária quando há prisão em flagrante ou intenção deliberada de colher declarações incriminatórias.
O debate ocorre à luz do cenário de violência policial no Rio de Janeiro, onde uma operação nas comunidades da Penha e do Alemão resultou em 121 mortes. As imagens de dezenas de corpos levados por moradores a ruas e praças reacenderam a discussão sobre os limites da ação policial e o respeito aos direitos fundamentais em abordagens e prisões.
Nesta quinta, o presidente do STF, Edson Fachin, que também é o relator da ação, apresentou seu voto no sentido de que o direito ao silêncio deve ser garantido desde o momento da abordagem policial, e não apenas no interrogatório formal. Para o magistrado, a garantia da não autoincriminação só é efetiva quando o cidadão é previamente informado sobre a existência e as consequências desse direito.
“Sem a obrigação de a autoridade informar sobre o direito ao silêncio ao seu titular, a garantia esvaziaria sua eficácia, na medida em que o indivíduo se encontraria privado de decidir, com plena ciência, se deseja ou não deseja responder às perguntas formuladas.”
Ele também propôs que o Supremo reconheça, com repercussão geral, que os agentes estatais têm o dever de informar de forma imediata esse direito, antes de qualquer ato de inquirição.
Não comunicar essa garantia permitirá que as declarações obtidas e as provas delas derivadas sejam anuladas, sustentou o ministro. No caso concreto, o relator considerou nulas as confissões informais prestadas pelo casal, por ausência de advertência sobre o direito constitucional ao silêncio. Ao final de seu voto, Fachin recomendou fixar a seguinte tese:
“I. O direito ao silêncio é assegurado a toda pessoa cuja declaração possa implicar responsabilidade penal, devendo o agente estatal informá-la de forma imediata, seja no momento da prisão, seja da imposição de medida cautelar, ou seja, antes de qualquer ato de inquirição.
II. A advertência deve conter a informação expressa que o direito ao silêncio não implica confissão nem pode ser interpretado em prejuízo da defesa.
III. A ausência de comunicação prévia e expressa torna ilícitas as declarações obtidas e as provas delas derivadas, tanto em abordagens quanto em interrogatórios.
IV. Compete ao Estado demonstrar que o direito ao silêncio foi efetivamente observado no momento da abordagem ou interrogatório.
V. A comunicação deve ser preferencialmente registrada por meio audiovisual ou subsidiariamente por documento escrito com comunicação oral.
VI. As teses serão vigentes a partir da data do julgamento, ressalvadas as ações já em curso com nulidade arguida.”
Flávio Dino e Cristiano Zanin seguiram o voto do relator em linhas gerais, mas fizeram algumas ponderações sobre o alcance da tese. Dino, por exemplo, defendeu que a nova regra produza efeitos apenas a partir da publicação da ata do julgamento e disse que o direito ao silêncio não poderia ser interpretado de forma tão ampla a ponto de gerar resultados insustentáveis, como a absolvição em casos de prova material robusta. Confira as ressalvas sugeridas pelo ministro:
I. O descumprimento do dever de advertir não deve gerar nulidade automática; a sanção há de respeitar a proporcionalidade e as exceções do art. 157 do CPP (fontes independentes e descoberta inevitável).
II. Quanto à prova da comunicação, embora a gravação audiovisual seja a solução ideal, não se pode exigir filmagem como prova única ou principal – sobretudo porque não haverá câmeras universalizadas no curto prazo.
III. O alerta não se aplica às buscas pessoais realizadas nos termos do art. 244 do CPP (revistas sumárias sem mandado em contextos como aeroportos, saídas de eventos, estádios ou transportes coletivos), distinguindo-as do interrogatório formal.
Já Zanin ressaltou que a garantia ao silêncio e a correspondente advertência devem ser observadas desde o primeiro contato do indivíduo com o poder estatal, inclusive em abordagens e prisões em flagrante. Sugeriu ainda que o STF reconheça o que chamou de “direito qualificado ao esclarecimento” — ou seja, no momento do interrogatório posterior à primeira declaração, o suspeito deve ser informado não apenas sobre o direito ao silêncio, mas também de que eventuais declarações anteriores prestadas sem advertência não poderão ser usadas como prova.
O ministro, porém, divergiu de Dino e entendeu que as teses devem ter vigência imediata. No caso concreto, Zanin reconheceu a ilicitude das confissões informais, mas divergiu parcialmente de Fachin ao determinar o desentranhamento das provas ilícitas e o retorno dos autos ao TJ paulista, para que uma nova sentença seja produzida com base nas demais provas.
Por ter repercussão geral, a decisão do STF valerá para todos os demais processos sobre o tema no Brasil e poderá consolidar um novo marco na relação entre os cidadãos e o poder policial.

 
                    