
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), entidade que reúne policiais, gestores públicos, pesquisadores e profissionais do sistema de justiça, manifestou “enfática reprovação” à operação que deixou mais de 130 pessoas mortas nos complexos de favelas da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, na terça-feira 28. “Não é sobre ideologia, é sobre a observância da lei”, escreveu a organização em nota.
No texto, o FBSP fez questão de ressaltar que não se posiciona contra as instituições policiais – até mesmo por contar, em seus quadros, com representantes das forças de segurança. Entretanto, afirma que operações como a desta semana não ataca diretamente o crime organizado, já que as pessoas mortas serão rapidamente “repostas”.
A nota, que está disponível na íntegra no fim deste texto, aponta que “o Comando Vermelho, como uma das principais facções de base prisional do país, é uma ameaça real ao Estado de Direito e precisa, sem dúvida nenhuma, ser enfrentado”. Porém, avalia que a operação no Alemão e na Penha teve “viés político”, sem “racionalidade técnica”.
“O número de mortes, que ainda pode ser muito maior, é inadmissível e não autoriza nenhuma força política a acreditar que a operação foi bem-sucedida. Mas, pior, a forma como dezenas de corpos foram deixados na mata próxima aos Complexos de Favelas, sem nenhuma ação para isolamento e preservação da cena de crime, é prova de que não houve a observância de regras básicas da legislação processual penal”, destaca o Fórum.
Confira a nota na íntegra:
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que há quase 20 anos produz informações e valoriza o diálogo entre os vários segmentos do campo da segurança, vem a público explicitar sua enfática reprovação em relação à megaoperação das polícias fluminenses nos Complexos da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, no dia 28 de outubro.
E falamos isso da posição de sermos uma associação composta por mais de 230 policiais, pesquisadores e representantes de outras organizações da sociedade civil – portanto, não falamos por sermos contra as instituições policiais, muito pelo contrário. Falamos por defendermos, de forma transparente, que segurança pública é um direito social universal e condição básica para o exercício da cidadania.
Sem coordenação federativa e investimentos massivos na interconexão entre investigação criminal e inteligência financeira de órgãos como COAF e Receita Federal, com as forças policiais federais e estaduais, os mortos de ontem, muitos dos quais eram crianças em 2010 quando da última grande operação no Complexo do Alemão, serão rapidamente “repostos” pelo crime organizado, que não será afetado pela operação de ontem.
É fato que o Comando Vermelho, como uma das principais facções de base prisional do país, é uma ameaça real ao Estado de Direito e precisa, sem dúvida nenhuma, ser enfrentado. Porém, ao que tudo indica, a operação foi conduzida pelo governo do Rio de Janeiro mais pelo viés político daqueles que propugnam o morticínio como prática na atividade policial, do que pela racionalidade técnica e pelo adequado planejamento estratégico e operacional.
O número de mortes, que ainda pode ser muito maior, é inadmissível e não autoriza nenhuma força política a acreditar que a operação foi bem-sucedida. Mas, pior, a forma como dezenas de corpos foram deixados na mata próxima aos Complexos de Favelas, sem nenhuma ação para isolamento e preservação da cena de crime, é prova de que não houve a observância de regras básicas da legislação processual penal.
Não é sobre ideologia, é sobre a observância da lei.
De igual forma, a alocação de um policial com apenas 40 dias de trabalho na Polícia Civil na linha de frente de uma operação que, segundo o próprio governo, era para lidar com a violência do Comando Vermelho, é uma triste evidência do pouco cuidado com os profissionais da segurança. Se o CV é tão violento, jamais uma pessoa ainda com pouca experiência poderia ter sido exposta ao risco de um confronto. Lamentamos a morte de Rodrigo Velloso Cabral e de todas as demais vítimas.
O Estado, em suas múltiplas esferas e poderes, é muito mais forte do que o crime organizado. Há, sim, soluções. Elas passam pela promoção da cidadania em territórios hoje dominados pelas facções e milícias. E passam pela coordenação federativa e pela superação da ideia de empilhar corpos.
