O que a Alemanha terá de fazer para desinflar a bolha da extrema-direita – Mundo – CartaCapital

A AfD (Alternativa para a Alemanha) está em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto para a eleição nacional parlamentar de 23 de fevereiro. A legenda de extrema-direita foi fundada em 2013 como uma sigla nanica composta por eurocéticos, mas, depois da chegada de imigrantes sírios em massa, em 2015, transformou o discurso ultranacionalista e islamofóbico no motor de uma irrefreável ascensão.

No intervalo de pouco mais de uma década, a AfD elegeu 95 parlamentares no Bundestag em 2017, emplacou outros 77 na legislatura atual e agora aparece como a segunda principal sigla do país, com 22% das intenções de voto, no agregado das principais pesquisas, atrás apenas da CDU (União Democrata-Cristã) – tradicional sigla de centro-direita à qual pertencem tanto a ex-chanceler Angela Merkel, que ficou 16 anos (2005-2021) no poder, quanto Friedrich Merz, o mais cotado para substituir Olaf Scholz no comando do país.

“A AfD está estabelecida agora em condições de paridade com os demais partidos políticos que existem na Alemanha há muito tempo. Isso é algo que deve ser levado muito a sério, pois essa sigla – que comprovadamente é uma sigla extremista de direita – terminará essa eleição como a segunda maior força política do país”, disse a CartaCapital Paulina Fröhlich, diretora do Departamento de Resiliência Democrática do think tank alemão Das Progressive Zentrum (O Centro Progressista), baseado em Berlim.

Como os demais partidos de extrema-direita da Europa, a AfD nasceu e cresceu oferecendo aos eleitores um discurso populista, que consiste em colocar-se como os únicos verdadeiros defensores dos interesses populares e nacionais diante de uma elite corrupta e traidora, incrustrada na máquina pública e organizada ao redor dos grandes partidos tradicionais.

Fröhlich diz que “é irônico” o fato de a AfD ter crescido tanto, a ponto de se estabelecer agora como a segunda sigla na preferência nacional, porque “eles costumavam referir-se a todos os outros partidos políticos da Alemanha como ‘partidos estabelecidos’, usando um tom de desprezo e desrespeito nessas palavras”, como se eles mesmos estivessem sempre fora do sistema, combatendo o sistema.

“Algo mudou sobre a AfD: a autoconfiança do partido está nas alturas e eles não estão mais se escondendo tanto atrás de frases bonitas; ao contrário, passaram a dizer abertamente o que pensam, sobre migrantes, por exemplo”, disse a pesquisadora, sobre o fato de a sigla ter deixado para trás os guetos ideológicos, assumindo proeminência entre eleitores cosmopolitas na faixa dos 35 anos.

A entrada da AfD no mainstream teve dois momentos chave. O primeiro ocorreu em fevereiro 2020, quando a sigla logrou formar uma coalizão com o FDP (Partido Democrático Liberal), de direita, e a CDU, de Merkel, para assumir o governo da região alemã da Turíngia. A coligação causou tamanho ultraje que foi desfeita em 24 horas.

Mais recentemente, o caso voltou a se repetir, quando o próprio Merz – candidato da CDU a chanceler – propôs duas moções contra a imigração do Bundestag. A intenção dele era fazer um aceno ao eleitorado alemão conservador que tem aderido à AfD, mas o tiro saiu pela culatra quando a sigla de extrema-direita deu total apoio às medidas propostas por Merz e usou essa convergência de interesses para mostrar a todos que tinha se tornado um partido normal, não extremista, capaz de trabalhar junto com as maiores siglas do país em assuntos de interesse comum.

Tanto o evento na Turíngia quanto essa recente votação no Bundestag romperam o que na Europa costuma se chamar “cordão sanitário” – nome dado à distância segura que os partidos tradicionais mantêm em relação às novas siglas de extrema-direita, para mostrar que elas estão fora dos limites aceitáveis. Romper o cordão é uma condição para entrar no mainstream, e cada episódio como esses termina por diluir os limites.

Manter os partidos democráticos de um lado e a AfD de outro é condição fundamental para preservar a democracia alemã, de acordo com Fröhlich, que elenca quatro medidas estratégicas a serem seguidas: “manter uma cooperação sólida e estratégica entre todos os outros partidos democráticos do país; identificar, explorar e ampliar as divisões internas existentes na própria AfD; impedir que a sigla construa uma base econômica sólida para sua existência; e estabilizar o sentimento de segurança na sociedade”, de maneira a oferecer respostas à sociedade dentro do campo democrático, evitando o crescimento extremista.

Apesar do bom momento que a AfD vive, Fröhlich acredita que essa é uma bolha que vai desinflar. “Não acho que estamos condenados a viver com a AfD, com esse tamanho e com esse nível de influência para sempre”. Apesar das fissuras no cordão sanitário, ela diz que “todos os outros partidos estão em um time, de um mesmo lado, quando se trata de combater a extrema-direita, e isso é crucial”.

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