Neurocientista explica por que é difícil se desvincular da busca incessante pela produtividade – Do Micro Ao Macro – CartaCapital

Empresas brasileiras perdem bilhões de reais todos os anos com um problema que, na maioria das vezes, passa despercebido: o presenteísmo.

Segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (IBEF-SP), o custo anual pode superar R$ 200 bilhões, considerando a queda de desempenho, os erros operacionais e o impacto negativo no clima organizacional.

Nos Estados Unidos, o CDC (Centers for Disease Control and Prevention) estima que o prejuízo causado pelo presenteísmo chegue a US$ 150 bilhões por ano.

Enquanto o absenteísmo — as faltas ao trabalho — é fácil de mensurar, o presenteísmo avança de forma silenciosa. O funcionário está fisicamente presente, mas sua capacidade de entrega está comprometida por razões como dores crônicas, estresse ou transtornos mentais.

O que é presenteísmo e por que ele importa

Presenteísmo é quando o trabalhador comparece ao trabalho mesmo sem estar em condições adequadas de saúde física ou emocional.

Apesar da presença no ambiente corporativo, sua produtividade está comprometida, gerando atrasos, falhas de atenção, retrabalho e decisões equivocadas.

Uma pesquisa publicada pela Revista Brasileira de Medicina do Trabalho mostrou que 30,6% dos trabalhadores de uma indústria apresentaram comportamento presenteísta nos últimos 12 meses, e 50,9% relataram queda direta no rendimento.

O presente invisível

“O presenteísmo é um fenômeno menos visível, mas muito mais persistente do que o absenteísmo. E o mais grave: é normalizado dentro das empresas”, afirma o Dr. Guido Boabaid May, psiquiatra e fundador da GnTech.

Para ele, a cultura que valoriza apenas a presença física mascara o adoecimento emocional.

“A empresa percebe quando o funcionário falta. Mas raramente nota quando ele está presente, mas improdutivo. A depressão, por exemplo, muitas vezes é diagnosticada após um longo período de sofrimento silencioso e perda de rendimento.”

Absenteísmo x presenteísmo

O absenteísmo pode ser facilmente identificado por meio de registros de ponto e atestados médicos. Já o presenteísmo exige outra abordagem: observar padrões de desempenho, desmotivação, fadiga constante e queda de foco.

“O grande problema é que o presenteísmo não aparece no relatório de RH”, aponta o Dr. Guido. “Mas está lá, corroendo resultados.”

Em setores com alta demanda cognitiva ou emocional, o custo do presenteísmo pode ser até três vezes maior que o do absenteísmo, segundo dados da Harvard Business Review.

Saúde mental e diagnóstico tardio

Entre as causas mais comuns do presenteísmo estão ansiedade, depressão, insônia, dores físicas crônicas e uso inadequado de medicamentos.

No Brasil, transtornos mentais já ocupam a terceira posição entre as principais causas de afastamento formal. Mas antes disso acontecer, muitos profissionais continuam indo trabalhar — sem condições para manter a produtividade.

“A lógica da tentativa e erro nos tratamentos psiquiátricos colabora para esse cenário”, explica Dr. Guido. “Muitas vezes, o paciente demora meses — ou anos — até encontrar a medicação correta. Enquanto isso, vai trabalhar como pode.”

O papel da empresa na redução do presenteísmo

A atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), feita pelo Ministério do Trabalho, passou a exigir que as empresas brasileiras mapeiem riscos psicossociais no ambiente corporativo.

Isso inclui estresse, esgotamento e outras condições que afetam diretamente o rendimento dos trabalhadores. A norma também reforça a responsabilidade das empresas com a saúde mental de seus times.

Frente a esse novo cenário, algumas empresas passaram a incorporar tecnologias como os testes farmacogenéticos — exames que analisam a resposta do organismo a medicamentos e ajudam a personalizar os tratamentos.

“A personalização do cuidado, aliada ao diagnóstico precoce, reduz o sofrimento e melhora a performance”, afirma o Dr. Guido Boabaid May.

Caminhos possíveis

Especialistas indicam que as empresas precisam avançar além das campanhas pontuais de conscientização. É necessário desenvolver uma política contínua de saúde mental no trabalho.

Algumas medidas eficazes incluem:

  • Monitorar variações de desempenho ao longo do tempo

  • Investir em apoio psicológico e programas de acompanhamento

  • Garantir maior flexibilidade e respeito aos limites individuais

  • Treinar lideranças para identificar sinais de exaustão e sofrimento mental

“O maior erro é achar que basta fazer uma palestra por ano. É preciso construir uma cultura que valorize o bem-estar como parte da estratégia de negócios”, conclui Dr. Guido.

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