o Brasil entre fazer História e repetir a velha história – CartaCapital

O julgamento da trama golpista, iniciado no Superior Tribunal Federal, pode ser um marco na história republicana brasileira, toda ela permeada por golpes e tentativas de golpes, quase sempre sem consequências legais para os grupos políticos, militares e empresariais que os engendraram.

É importante frisar que o julgamento, que agora mobiliza emoções e divide opiniões nos becos e vielas do país, não é obra de atos de ofício do ministro Alexandre de Moraes e tampouco pode ser considerado o desfecho de um processo açodado.

A instalação do inquérito e o início das investigações datam de 2023, o relatório da PF pedindo o indiciamento de Bolsonaro e mais de 30 apoiadores foi entregue em novembro de 2024 e, em fevereiro de 2025, a Procuradoria Geral da República ofereceu a denúncia, que foi aceita por unanimidade pela Primeira Turma do STF.

Nesses dois anos de trabalho, além da delação premiada de Mauro Cid, ocorreram diversas operações policiais, com apreensões de documentos, computadores e celulares, além da coleta de inúmeros depoimentos, que serviram para reunir vasto acervo probatório e embasar a denúncia e a instrução processual. Isso sem contar que boa parte dos fatos narrados são inequívocos, estão presentes na memória de todos, porque foram registrados pelos próprios réus.

Faço esse breve resgate para opor à narrativa bolsonarista de que o ex-presidente é vítima de perseguição judicial e de que a Ação Penal 2668 é um jogo de cartas marcadas. Embora Bolsonaro tenha atacado a ordem democrática durante todos os seus quatro anos de mandato, ele não está sendo processado pelo conjunto da obra de seu desgoverno. Está chamado a responder por condutas ilícitas, tipificadas no Código Penal e na legislação, tais como tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (Art. 359 L), tentativa de golpe de Estado (Art. 359 M) e liderar organização criminosa (Lei 12.850/2013), dentre outros.

Pouco importa do ponto de vista jurídico que o ex-presidente e seus apoiadores, que não possuem o menor apreço pela democracia, acreditem que é moralmente aceitável ameaçar e chantagear as instituições para obrigá-las a se curvarem a seus desígnios. Ou que achem que está no terreno da “liberdade de opinião” um presidente reunir embaixadores de outros países para descredibilizar o sistema eleitoral brasileiro. Ou, ainda, que façam uma leitura inepta e intelectualmente indigente do art. 142 da Constituição para defender as Forças Armadas como poder “moderador”.

Não! No plano jurídico, a Presidência da República é maior que a pessoa, é uma incumbência que traz mais e não menos responsabilidade, que exige submissão à Constituição e o compromisso e a parcimônia compatíveis com o exercício do cargo. Caso o presidente estivesse desobrigado de prestar contas de seus atos porque tem a personalidade assim ou assado, ele seria imperador, inimputável – e, dessa fase, felizmente, já passamos.

Na vida real, não na fábula bolsonarista, a ocorrência de reuniões com os comandantes das Forças Armadas para que fosse analisado um decreto ilegal de Estado de sítio para subverter o resultado eleitoral é conduta gravíssima. Obviamente, ultrapassou-se a mera cogitação e foi dado início ao crime de tentativa de golpe, constituindo a reunião e a minuta provas cabais disso. Do contrário, apenas a consumação provaria o golpe, e, nesse caso, os golpistas é que puniriam os democratas – certamente jogando pelos ares o devido processo legal.

Fato é que o Brasil tem chance de fazer História e dar um exemplo de amadurecimento democrático e institucional, julgando e, se o conjunto das provas assim demonstrar, condenando um ex-presidente, ministros e generais, por crimes contra a democracia. Será um avanço civilizatório para os padrões de um país acostumado a ser implacável com os de baixo e condescendente com os do andar de cima.

Mas, como diz o adágio popular, se Deus dá a farinha, o diabo rasga o saco. Estamos na iminência de fazer História, mas também correndo o risco de repetir a lamentável história de sempre, que é proteger os poderosos com o manto da impunidade. É isso que vem se gestando com a costura antirrepublicana do governador Tarcísio de Freitas e de partidos da direita para aprovar uma anistia ilegal a Jair Bolsonaro e outros réus no Congresso Nacional. Seria um desserviço ao País e uma vergonha para o Parlamento, que se tornaria cúmplice de criminosos.

Ao contrário do que dizem, o que move essa iniciativa não são preocupações humanitárias com Fátimas de Tubarão e Déboras do Batom, mas sim o velho conchavo de interesses políticos. A anistia – mas pode chamar de impunidade mesmo – beneficiaria Bolsonaro, que ficaria livre de pagar por seus crimes, e Tarcísio, que, dessa forma, ganharia apoio do ex-presidente para sua ambição política de candidatura presidencial. Ou seja, o mais clássico toma lá, dá cá.

Vale o registro de que o lamentável papel cumprido pelo governador paulista não se resume à anistia. Sem qualquer pudor para viabilizar seu objetivo eleitoral, Tarcísio não pestanejou em se colocar ao lado de Trump nas sanções econômicas contra o Brasil e chegou ao descaro de afirmar que o governo deveria “entregar uma vitória” ao presidente norte-americano. Essa postura pusilânime, servil, que ofende o País e o povo brasileiro, mostra que ele não tem nenhuma condição de liderar a nação.

Mas é bom que saibam que o povo não está alheio a isso, ainda mais após a traição da família Bolsonaro. Esse conluio de interesses espúrios vai lhes custar caro, porque a mobilização popular vai impedir essa manobra e derrotar seus apoiadores nas ruas e nas urnas. O Brasil escolherá fazer História!

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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