'Não estamos contentes com o rumo das

Na manhã deste sábado (18), oito dias depois do ataque armado ao assentamento Olga Benário, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), centenas de pessoas compareceram a uma manifestação no Centro de Eventos de Tremembé (SP). 

Sob o mote “Por reforma agrária, vida e justiça”, o ato homenageou Valdir do Nascimento de Jesus e Gleison Barbosa de Carvalho, os dois mortos no dia 10 de janeiro, quando cerca de 25 homens abriram fogo contra assentados que faziam uma vigília para impedir a invasão irregular de um lote vazio. Outros seis sem-terra foram baleados. Dois deles, irmãos de Gleison, seguem internados no Hospital Regional do Vale do Paraíba. Denis Carvalho, alvejado na cabeça, está em estado grave na UTI. 

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Mesclando intervenções lúdicas, falas de militantes, autoridades políticas e religiosas, o ato ressaltou que o episódio não é “fato isolado”, mas uma expressão “vil e covarde” de um cenário amplo de invasões criminosas de assentamentos da reforma agrária com interesses imobiliários. 



Manifestação começou às 9h30 no centro de Tremembé (SP), a poucos quilômetros do assentamento Olga Benário / Gabriela Moncau

Até o momento a Polícia Civil prendeu “Nero do Piseiro”, como é conhecido Antônio Martins dos Santos Filho, que teria confessado participação no atentado. Outro suspeito, que como Nero foi reconhecido pelos sobreviventes, é Ítalo Rodrigues da Silva, foragido desde 12 de janeiro. Para o MST, no entanto, ambos são apenas a ponta de um esquema maior. 

“Se querem encerrar a investigação, a pergunta é: quem estão querendo proteger que está por trás dos assassinos? Nós temos quase certeza de que nós, a sociedade, vamos saber. Nós não vamos descansar um dia”, enfatizou de cima de palco Gilmar Mauro, da direção nacional do MST.  

Compareceram ao evento o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira; o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), César Aldrighi; bem como a superintendente da autarquia em São Paulo, Sabrina Diniz. Entre os parlamentares do Psol e do PT presentes, o deputado estadual Eduardo Suplicy (PT) fez sua primeira aparição pública após seis meses de tratamento de um câncer linfático. 

“Queremos emitir um sinal para a sociedade, mas também para o poder público, de que nós não estamos contentes com o rumo estabelecido pelas investigações até agora. Nós queremos não só a celeridade no processo, mas que se investigue a fundo os principais responsáveis, os mandantes daquilo que ocorreu aqui”, afirmou Gilmar Mauro ao Brasil de Fato.

“Porque não é um problema de agora, é um problema antigo. Explodiu agora da forma mais brutal que poderia explodir. Mas é uma questão que tem por detrás, nós temos certeza, grupos econômicos e políticos que precisam ser punidos”, salientou o dirigente. 



“Aos nossos mortos, nem um minuto de silêncio, mas toda uma vida de luta”, entoaram os manifestantes / Gabriela Moncau

Superindentente do Incra-SP, Diniz ressaltou que não se trata “de uma situação isolada de um lote dentro de um assentamento”. “Isso é uma disputa de território, dos territórios que nós, dos movimentos populares, conquistamos com muita luta, e que no governo passado lamentavelmente foram abandonados e deu espaço para algumas organizações, alguns políticos locais e algumas outras pessoas dentro das forças do Estado avançarem para dentro do nosso espaço”, pontuou.

“Nós iremos buscar não só os que mataram os nossos companheiros, mas também todos aqueles que estão por trás dessas invasões que aconteceram desde o governo Bolsonaro, dentro dos assentamentos. E a gente sabe que tem gente aqui”, falou Sabrina Diniz ao olhar para o público, “que também faz parte disso”. 

O ministro Paulo Teixeira informou ter se reunido com Ricardo Lewandowski, à frente do Ministério da Justiça. “Ele se comprometeu a disponibilizar a Polícia Federal e a inteligência da PF para os programas de combate à violência no campo”, disse. “Mas nós temos que exigir do governo do Estado o esclarecimento deste fato. Não podem querer dar uma explicação simples para virar a página”, pontuou Teixeira. 

“Nós não aceitaremos que uma pessoa esteja presa e que eles possam dizer que esclareceram esse crime. Nós queremos saber o nome de cada um que participou, nós queremos saber dos mandantes, queremos saber quanto dinheiro foi utilizado”, declarou o ministro. 

Com gritos de ordem evocando a presença dos mortos e cartazes com dizeres como “A paz no campo tem nome: reforma agrária”, os manifestantes caminharam pelo centro de Tremembé. Em homenagem a Valdirzão e Gleison, plantaram duas árvores próximas à rodoviária: um cedro e um jacarandá mimoso. 



Entre jovens que plantam o cedro, uma sobrevivente do ataque, alvejada no braço / Gabriela Moncau

Relembre o caso

Localizado a poucos quilômetros do centro urbano de Tremembé, o assentamento Olga Benário foi regularizado em 2005 e tem 45 lotes. Um deles, de 5 mil metros quadrados, teve a vacância constatada formalmente pelo Incra em dezembro de 2023 e foi o estopim do massacre.    

O terreno foi vendido irregularmente por uma assentada a um homem de nome Alex, segundo moradores do Olga Benário ouvidos pela reportagem. Este, por sua vez, teria repassado a área em novembro de 2024, também de forma ilegal, por R$ 80 mil para Ítalo Rodrigues da Silva.  

Naquele mesmo mês, aconteceu o primeiro encontro de Valdir do Nascimento de Jesus ou “Valdirzão”, liderança do MST de 52 anos, com aquele apontado como seu algoz. O coordenador do assentamento disse a Ítalo que a área não pode ser comercializada.  



Oito dias depois do massacre, ato por justiça percorreu ruas do centro de Tremembé (SP) / Gabriela Moncau

Em 7 de janeiro, assentados perceberam a presença de gente no local e o roubo da tubulação e da bomba da caixa d’água localizadas no lote, que irriga as lavouras ao redor. Em 10 de janeiro, um grupo de 15 trabalhadores sem-terra montou uma vigília no terreno para esperar que os invasores aparecessem.  

Eram 16h quando Ítalo chegou em uma picape Volkswagen Amarok, acompanhado de um homem de moto. De acordo com o MST, o invasor teria dito que teve autorização de um vereador de Tremembé para se instalar. Foi embora, mas prometeu voltar. E cumpriu, perto das 23h.  

O massacre foi na porteira da entrada do lote. Uma sobrevivente caiu no capim alto e lá ficou, de onde escutou um dos homens dizer “mata tudo, mata todo mundo”. Assentados tomaram tiros no braço, costela, ombro, perna, pé e cabeça.



Na entrada do terreno onde houve o massacre ainda se vê mancha de sangue / Gabriela Moncau

A Secretaria de Segurança Pública (SSP-SP) do governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) informou que o caso está sendo “rigorosamente investigado pela Delegacia Especializada de Investigações Criminais (Deic) de Taubaté, com apoio da Polícia Civil de Tremembé”. 

“Os investigadores analisaram imagens de câmeras de segurança e identificaram os veículos usados na ação criminosa. Um dos carros foi localizado em um terreno baldio e apreendido. A polícia também apreendeu projéteis e armas brancas, além de uma motocicleta. A investigação segue com coleta de depoimentos e elaboração de laudos periciais”, informou a SSP-SP. 

Já a Polícia Federal, que abriu uma investigação paralela, se limitou a dizer que “as diligências estão em andamento”.  

 

Edição: Raquel Setz



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