O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, votou nesta terça-feira 21 pela condenação dos sete réus que compõem o núcleo 4 da trama golpista, conhecido como núcleo da desinformação. O grupo é acusado de disseminar ataques digitais contra o sistema eleitoral, propagar notícias falsas sobre as urnas eletrônicas e fomentar um ambiente de instabilidade política que culminou nos atos golpistas de 8 de Janeiro de 2023 em Brasília.
Em seu voto, Moraes afirmou haver provas robustas de que os réus formaram uma organização criminosa voltada a corroer a confiança nas instituições e a promover a ruptura da ordem democrática. “É uma falácia, uma mentira absurda, criminosa e antidemocrática dizer que atacar a Justiça Eleitoral, o Poder Judiciário e a democracia é liberdade de expressão. Isso é crime tipificado no Código Penal”, declarou o ministro.
Segundo o relator, seis dos sete acusados devem ser condenados pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. O sétimo réu, Carlos Cesar Moretzsohn Rocha, presidente do Instituto Voto Legal, foi condenado apenas por dois crimes: tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa.
Quem são os outros réus condenados:
- Ailton Gonçalves Moraes Barros, major da reserva;
- Ângelo Martins Denicoli, major da reserva;
- Giancarlo Gomes Rodrigues, subtenente;
- Guilherme Marques de Almeida, tenente-coronel;
- Marcelo Araújo Bormevet, policial federal; e
- Reginaldo Vieira de Abreu, coronel.
O voto
Moraes descreveu o núcleo da desinformação como uma “milícia digital covarde”, estruturada para disseminar discursos de ódio e minar a credibilidade do processo eleitoral. “Essas milícias digitais não têm coragem de debater ideias. São covardes. Atacam instituições e famílias, espalham mentiras, incitam o ódio e depois se escondem atrás do falso manto da liberdade de expressão”, afirmou.
O ministro destacou ainda que o grupo usou ilegalmente estruturas do Estado, como a Abin e o Gabinete de Segurança Institucional, para espionar adversários políticos e abastecer a rede de desinformação. Moraes apontou que houve a criação de uma “Abin paralela”, comandada pelo então diretor Alexandre Ramagem (PL-RJ), com a colaboração de alguns dos réus, como o agente da Polícia Federal Marcelo Bormevet e o subtenente do Exército Giancarlo Rodrigues.
“Essa Abin paralela tinha a finalidade de desacreditar instituições, deslegitimar as eleições e preparar o campo para o golpe. Foram realizadas 887 buscas ilegais com o sistema FirstMile. Isso é o uso criminoso do Estado contra o próprio Estado”, afirmou o relator.
Durante a leitura do voto, Moraes também exibiu mensagens trocadas entre os acusados e assessores próximos do então presidente Jair Bolsonaro (PL), como o ex-ajudante de ordens Mauro Cid e o general Walter Braga Netto. As conversas revelam ordens para atacar generais que resistiram à adesão ao plano golpista, entre eles Freire Gomes, ex-comandante do Exército. “É o modus operandi dessas milícias digitais populistas: a covardia. São milicianos covardes que atacam não só seus inimigos, mas também as famílias dos inimigos”, afirmou Moraes.
Instituto Voto Legal
O relator dedicou parte do voto ao papel do Instituto Voto Legal, responsável por um laudo encomendado pelo PL que questionava a lisura das urnas eletrônicas. O documento foi classificado por Moraes como “uma das coisas mais bizarras que a Justiça Eleitoral já recebeu”. O ministro lembrou que o PL pediu a anulação apenas dos votos dados a Lula (PT) nas eleições de 2022, o que ele classificou como uma tentativa de fraude processual. “A litigância de má-fé foi comprovada. O PL queria anular só os votos do candidato vencedor, mantendo os votos que elegeram seus parlamentares. Isso é uma afronta à lógica e à democracia”, disse.
Para Moraes, o núcleo da desinformação operava de maneira coordenada com outros grupos já denunciados pela Procuradoria-Geral da República. “Os núcleos atuavam de forma interligada. Se olharmos o conjunto, é evidente a organização criminosa que tentou tomar de assalto a República Federativa do Brasil”, afirmou. O ministro reiterou que a tentativa de golpe de 8 de Janeiro foi “resultado de uma conspiração múltipla, dividida em núcleos de atuação, mas unificada pelo mesmo propósito: destruir o Estado Democrático de Direito e impor a vontade de um grupo político pela força”.
Próximos passos
O voto de Moraes é o primeiro da sessão. Em seguida, votam os ministros Cristiano Zanin, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Flávio Dino, presidente da Primeira Turma do Supremo. A maioria é formada com três votos. A expectativa é de que o julgamento seja concluído ainda nesta terça-feira, com a definição das penas.
O núcleo 4 é o segundo a ser julgado pelo STF no conjunto de processos relativos à tentativa de golpe. O núcleo 1, considerado o comando central da trama, foi julgado em setembro e resultou na condenação de oito réus, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro. Os núcleos 2 e 3 estão previstos para ir a julgamento nos próximos dois meses, completando o cronograma de responsabilização dos acusados pela ofensiva contra a democracia.