Não creio que as imagens valham mais do que as palavras. Essa porém, carrega consigo o poder efetivo das simbolizações. Nela, o jornalista Mino Carta conversa com o líder sindical Luiz Inácio da Silva, numa mesa de cozinha apinhada de objetos icônicos: cinzeiros improvisados em recipientes quaisquer, as velhas “ampolas” de cerveja, uma cesta de legumes e uma imagem de Jesus Cristo coroando a cabeça do jornalista. Lula sem camisa, nesse caso, é mais que uma simples metáfora: é a nudez da notícia e de suas personagens que o jornalista persegue, a cozinha de uma casa brasileira sendo o ápice da investigação obsessiva, no limite da intimidade.
O ano, creio eu, era 1978. A ditadura perdera parte de seu prestígio, ancorado, como sempre no contrário fascistóide: o retrato oficial de gabinete, as fardas alinhadas, as medalhas no peito, as tropas em linha. Aqui, no avesso, é tudo desordem, a mais bela e alegre desordem de uma copa-cozinha em dia de festa, um espaço apertado onde os corpos e os olhares se amontoam e atestam uma energia histórica incontível, a farra que acolhe, uma figuração perfeita da liberdade vulcânica que nenhuma tirania é capaz de liquidar, nenhuma, nem à esquerda nem à direita, porque o ser humano – a verdade é essa – está destinado a ser livre.
O jornalista em cena, Mino Carta, entendeu naquele momento que a sua obrigação, come vero periodista, não era noticiar neutramente o descenso dos militares e sim contribuir para acelerar sua queda. Pois existe uma anterioridade lógica da liberdade de imprensa sobre todos os demais compromissos que, no exercício rotineiro da profissão (quando a rotina é possível), devem ser observados pelo jornalista que não dormiu nas aulas de ética. Essa anterioridade parece muitas vezes esquecida, apesar de personagens como Mino. A falsa neutralidade e o teatro da isenção ainda fornecem poltrona estofada e scotch on the rocks para biografias torpes, gente que agride diariamente a ligação vinculativa do jornalismo com a fraternidade e seu papel fundamental no combate à opressão, à falsificação e à simples fabricação de mentiras. As “vozes edulcorantes” do jornalismo de bancada (repita-se, que falsamente neutro) seguem vivas e poderosas. Mas o exemplo de Mino Carta tem linhagem e tampouco desaparece. Ele escolhe seus caracteres com base no seu caráter, e essa régua é difícil de ser vergada: contra a usurpação, contra a desigualdade, contra a concentração de renda, contra o mau exercício do poder.
Mino deixa o planeta nesse dia também simbólico: o dia em que os antagonistas de sempre, pressupostos ocultos nessa fotografia tão intensa, são levados a julgamento por tentarem, novamente, limpar a mesa dessa cozinha, amordaçar os convivas e submeter o país ao cabresto de seu próprio oportunismo.
Torçamos para que o STF premie a luta de Mino e de todos nós.