BELÉM, PA (FOLHAPRESS) – O corte de energia no Brasil por causa do excesso de geração renovável, conhecido pelo termo em inglês “curtailment”, ganhou projeção internacional nos bastidores de eventos que ocorrem em paralelo à COP30 em Belém, no Pará.
Segundo pessoas que acompanham a agenda da energia, durante sua passagem pela Cúpula dos Líderes, na semana passada, o presidente da França, Emmanuel Macron, pediu ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que não vete uma emenda da MP (medida provisória) 1.304 que trata do ressarcimento às empresas que sofrem perdas financeiras com esses cortes.
A preocupação de Macron é que as empresas francesas com investimento em energia renovável no Brasil possam sofrer perdas se não forem reembolsadas.
Na tarde desta quinta-feira (13), o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, foi de Belém a Brasília para uma reunião com Lula que tinha entre os temas discutir vetos na MP. O presidente não quer elevar a conta de luz, e o Planalto já avisou a senadores que o trecho será vetado. No entanto, a pressão pelo ressarcimento é grande. Ele tem até 24 de novembro para decidir.
O governo francês não se manifestou sobre o assunto, a assessoria da Presidência do Brasil disse que quem cuida da questão é o MME (Ministério de Minas e Energia), que, procurado, não comentou até a publicação deste texto
Segundo a Folha de S.Paulo apurou, há alguns meses, um diplomata da França já havia reclamado do curtailment no MME. A queixa é que o acúmulo de perdas por causa dos cortes prejudica a estabilidade financeira dos negócios e a imagem da geração renovável brasileira no mundo e colocam em xeque investimentos futuros.
Apesar de diferentes fontes de energia sofrerem com o curtailment, entre as empresas mais impactadas estão parques eólicos e solares, muitos deles com acionistas estrangeiros, que fizeram aportes vultosos para estarem aqui.
Cinco pessoas com conhecimento das discussões disseram que vários países com investimentos em energia renovável no Brasil estão preocupados com o impacto financeiro dos cortes, mas a França é o país que tem sido mais vocal.
O governo Macron está especialmente preocupado com os investimentos em energia renovável feitos por empresas francesas no Brasil. Entre elas está a TotalEnergies, que tem 34% da Casa dos Ventos, uma das principais desenvolvedoras de projetos eólicos no Brasil. O negócio faz parte do portfólio de descarbonização da companhia francesa.
Procurada pela reportagem, a empresa respondeu que, “como companhia privada, não comenta temas políticos ou discussões entre países”. Fundada em 1924, a TotalEnergies é uma gigante do setor de energia que nasceu como empresa pública, mas foi privatizada na década de 1990. Hoje mantém uma relação complexa com o Estado francês, porque vem sofrendo pressão da opinião pública e de setores do governo para acelerar a transição energética. As perdas com o curtailment no Brasil dificultam essa meta.
NEGOCIAÇÕES
O relatório original sobre a MP, do senador Eduardo Braga (MDB-AM), limitava o ressarcimento a casos pontuais, que fossem associados a questões técnicas, como falta de linha de transmissão, um problema que afetou vários investidores.
Uma emenda aglutinativa apresentada pelo deputado Danilo Forte (União-CE) ampliou o benefício para outros tipos de cortes. O Ceará concentra projetos eólicos, e o deputado é conhecido no Congresso por sua ativa atuação em defesa do estado, especialmente da Casa dos Ventos.
A empresa atua em múltiplas frentes de energia renovável, incluindo o desenvolvimento de um grande data center em Pecém, que foi beneficiado recentemente por iniciativas do governo.
A forma e o valor do ressarcimento têm gerado controvérsias também.
A maioria dos participantes do setor diz que esse mecanismo será financiado pelos consumidores de energia via aumento na conta de luz. Ainda durante a tramitação da proposta, estimativas da Abrace, que representa grandes empresas de energia, estimou que as perdas com o curtailment, de 2023 até o final deste ano, possam somar cerca de R$ 7 bilhões, valor suficiente para acrescentar cerca de 3% de aumento na conta de luz, com efeitos sobre a inflação do Brasil.
A Abeeólica, que representa o setor eólico, afirma que as empresas já abriram mão de parte das perdas e aceitariam receber R$ 3,8 bilhões. A associação afirma que os recursos sairiam de um mecanismo da CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) que faz compensações do mercado livre. A entidade diz que o setor de renováveis pode quebrar sem o ressarcimento.
Técnico da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), no entanto, que foi consultado pela Folha, afirma que mencionado recurso pertence aos consumidores e só pode ser liberado com aprovação do Congresso.
A MP 1304 fez uma reforma no setor de energia. O texto chegou a ficar parado no Congresso, mas depois foi aprovada em tempo recorde. Os grupos de interesse fizeram tanta pressão, inserindo diferentes dispositivos, que o ministro de Minas e Energia disse que era uma vitória do lobby.
Enquanto se debate o veto, o setor não resolve a origem do problema:o excesso de oferta de energia para pouca demanda, sustentada pelo avanço da geração nos telhados, conhecida no setor como MMGD (micro e minegeração distribuída). Um incentivo, que tem um longo prazo para acabar, mantém a expansão dos projetos. Esperava-se que a mesma MP 1304 apresentasse alguma nova restrição a esse benefício, o que não ocorreu.
O banco BTG publica relatórios sobre curtailment eólico e solar e divulgou um consolidado sobre o primeiro tremeste que ilustra o tamanho do problema. Até setembro, os cortes afetaram 20,4% geração eólica. Para os parques solares, o corte subiu para 34,1%, bem acima dos 23,8% do trimestre anterior e dos 16,5% registrados no terceiro trimestre e do ano passado.
Leia Também: Lula e Macron concordam em reforçar cooperação policial na Amazônia
