Livro em primeira pessoa sobre Edy Star revela um artista múltiplo e libertário – Augusto Diniz

Antes de se tornar cantor e performer de destaque, Edy Star foi um artista plástico prolífico, com diversas exposições nos anos 1960. Já naquela época, também transpunha para o teatro canções folclóricas que ele próprio coletava. Sua versatilidade impressiona: poucos artistas transitam com tanta desenvoltura entre universos tão distintos.

Essa multiplicidade é o eixo central de Eu Só Fiz Viver: a História Oral Desavergonhada de Edy Star (Editora Popessuar, 384 páginas), livro lançado neste ano. A obra é um extenso relato em primeira pessoa do artista ao historiador Ricardo Santhiago, que intervém pontualmente para contextualizar os episódios narrados.

Cantor, compositor, ator, autor, produtor, artista plástico e performer, Edy Star encarnou diferentes personagens ao longo da vida. Suas histórias, além de saborosas, revelam um olhar holístico sobre as artes e a sociedade. Hoje, aos 87 anos, ele revisita sua trajetória com uma memória invejável e sem perder o tom espirituoso que sempre o caracterizou.

No livro, Edy detalha também sua vida amorosa, com franqueza. Os relatos expõem as imposições da ditadura heteronormativa, que não apenas afetavam sua própria vivência — como homem assumidamente gay —, mas também afetavam seus parceiros, muitas vezes pessoas socialmente vistas como heterossexuais.

Com razão, Edy Star é reconhecido hoje como um pioneiro da cultura queer no Brasil. Ricardo Santhiago, aliás, já havia se debruçado sobre outra figura pioneira desse universo: Miriam Batucada, biografada por ele em A História Incompleta de Miriam Batucada (2024), resenhado por CartaCapital.

Edy Star não foi apenas um símbolo da resistência queer, mas também um personagem ímpar da cultura brasileira. Com irreverência e talento, circulou por diferentes espaços da sociedade, sempre desafiando convenções. Baiano radicado no Rio de Janeiro, suas histórias ganham tom de aventura à medida que ele narra os bastidores da vida artística com ironia e sagacidade.

Sua discografia inclui três álbuns solo: Sweet Edy (1974), Cabaré Star (2017) e Meu Amigo Sérgio Sampaio (2023). No entanto, sua obra mais icônica é Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das Dez (1971), projeto experimental ao lado de Raul Seixas — seu amigo desde os tempos de Salvador —, Sérgio Sampaio e Miriam Batucada.

Foi na década de 1970 que Edy conquistou maior reconhecimento, especialmente após um show performático em um cabaré da Praça Mauá, no centro do Rio. O espetáculo, que atraía frequentadores da alta sociedade, impulsionou sua carreira e lhe garantiu espaço em diferentes casas noturnas da cidade, como a icônica Number One, na Zona Sul.

Entre shows, performances, teatro e aparições na TV, Edy manteve-se em atividade até meados dos anos 1980, quando a indústria do entretenimento passou por uma transformação radical, tornando-se mais imediatista — ainda um tema pouco explorado em estudos sobre o período.

No início dos anos 90, migrou para a Espanha, onde viveu por cerca de duas décadas, trabalhando com aquilo que sabia fazer de melhor. Permaneceu no país de forma irregular até retornar ao Brasil, quase incógnito. Com o tempo, foi redescoberto.

Eu Só Fiz Viver reflete a essência de Edy Star: um artista atípico, irreverente e sem rancor. No fim das contas, teve a vida que quis — livre, mas pagando o preço dessa liberdade. Um livro essencial para compreender um talento que extrapolou os grandes palcos e desafiou as convenções do seu tempo.

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