A cuíca pode ter chegado ao Brasil faz tempo, trazida por negros escravizados, mas foi no início do século passado que ganhou destaque nas mãos de exímios tocadores.
O recém-lançado livro Cuícas Imortais: de João Mina a Boca de Ouro (Mórula Editorial; 136 páginas), de J. Muniz Jr. e Paulinho Bicolor, apresenta os precursores do instrumento e a introdução dele no samba como conhecemos hoje.
O pequeno tonel de madeira chamado de barrica, que armazenava líquidos, foi aproveitado inicialmente para criar a cuíca, com uma pele de couro em um dos tampos e uma haste para fricção presa no centro, voltada para o interior do vasilhame.
O lado oposto da pele de couro fica aberto e por ele entra uma das mãos, a fim de produzir um dos sons mais curiosos na música. Antes apenas usado para marcação rítmica, ganhou rapidamente efeito para emitir longos fraseados sonoros, com tons diferentes entre graves e agudos.
A obra descreve alguns dos principais personagens que deram vida ao instrumento, como João Mina – embora, pelos relatos, seja mais adequado relacioná-lo a um primeiro divulgador da cuíca e um dos instrumentistas a inaugurar o som do tambor de fricção em uma gravação, nos anos 1930.
Ao longo do livro, códigos de barras que permitem a leitura pelo celular remetem a antigas músicas nas quais se pode ouvir a participação da cuíca.
Consta da obra a sambista Dalila, em um emblemático registro fotográfico de 1932, empunhando uma cuíca feita de barrica. Ela participava ativamente de rodas de samba na época, mais um indício de que a presença da mulher no surgimento do samba foi muito maior do que o tratado pela história oficial.
Há menção também sobre o uso de campana de tuba para amplificar o som da cuíca a partir de seu acoplamento ao instrumento de percussão. A engenhoca chegou a ser usada pelo cuiqueiro Deovirgilio nos anos 1930, embora estabelecesse um desproporcional som à cuíca.
Atualmente, há aquelas “cornetinhas” presas ao aro para dar mais amplitude ao som.
O mais conhecido personagem do livro é Alcebíades Barcelos, o Bide, integrante da turma do Estácio, um dos fundadores do samba moderno e autor de músicas antológicas do gênero ao lado de Armando Marçal, como Agora É Cinza, A Primeira Vez, entre outras. Bide foi um exímio percussionista, inclusive de cuíca, e aperfeiçoador de instrumentos percussivos.
A cuíca talvez seja um dos instrumentos de percussão que mais se modernizaram ao longo da história. Desde lá de trás, quando começou a ser usada com frequência em gravações, já foi introduzida nas escolas de samba, tornando-se depois um marco nos desfiles.
O livro é uma contribuição para conhecer instrumentistas pouco abordados desde sempre, tanto que os personagens da obra carecem de informações mais detalhadas acerca de sua interferência na prática e na evolução da cuíca.
Trata-se de um projeto que precisa de continuidade para alcançar outros personagens e outras histórias, conforme sugestão na introdução do livro.