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Em meio ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e às novas críticas a Donald Trump desferidas pelo presidente Lula (PT) do palco de sua presidência temporária do Brics, empresários brasileiros se veem “interditados” nas negociações sobre o tarifaço e nas investigações do governo americano sobre supostas práticas comerciais desleais do Brasil.

As negociações conduzidas durante a missão organizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que reuniu cerca de 130 empresários e dirigentes de federações estaduais em Washington no início do mês, não produziram resultados concretos.

A comitiva participou da audiência pública no Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR), aberta em julho para apurar a investigação da Seção 301, que acusa o Brasil de adotar práticas comerciais discriminatórias.

No entanto, os representantes do USTR não se pronunciaram sobre a ampliação das exceções setoriais ao tarifaço, nem deram sinais a respeito da possibilidade de sobretaxas adicionais ou outras sanções de caráter não tarifário. Ao contrário, deixaram claro que as negociações não se restringiam à defesa comercial.

Fontes ouvidas pela Gazeta do Povo admitiram que o momento é de perplexidade e total falta de expectativa de uma solução no curto prazo, já que qualquer avanço depende dos desdobramentos políticos. “O debate está obstruído, a questão política não está sendo negociada, Lula continua provocando, e o julgamento [de Bolsonaro] ainda está em andamento aqui no Brasil. Está tudo interditado”, diz um dirigente empresarial que prefere não se identificar.

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Investidas de Lula e julgamento de Bolsonaro

Ainda que os empresários não expressem publicamente, há um clima de irritação com a inércia do governo e as novas investidas de Lula contra Trump nesta semana na reunião virtual dos Brics.

Na segunda-feira (8), aos líderes de países do Brics (China, Rússia, Índia, África do Sul, Irã, Egito, Indonésia, Emirados Árabes Unidos e Etiópia), Lula afirmou que os pilares da ordem internacional estão sendo corroídos e que o Brics é uma alternativa ao unilateralismo e à “chantagem tarifária” que, segundo ele, ameaça a soberania de países emergentes.

“Existe uma corrente entre empresários que acha que o governo está se pautando por questões eleitorais e de soberania, deixando o setor privado de lado”, diz outro representante setorial. “Mas poucos falam abertamente. Há receio de se indispor com o governo e também de que argumentos se voltem contra nós. Qualquer palavra mal colocada pode comprometer ainda mais as negociações.”

“Lula devia ao menos parar de falar”, afirma, defendendo que seria preciso abrir um canal de negociação. “Os governos têm que conversar. Os presidentes precisam sentar à mesa. Está claro para nós que não é só questão técnica, é política. Fazemos tudo o que é possível tecnicamente, mas falta o canal político.”

A avaliação, no entanto, não é unânime. Um executivo que pediu anonimato se diz muito cético em relação a qualquer iniciativa do presidente brasileiro. “Não vai adiantar”, avalia. “Nós estivemos em todos os departamentos [dos EUA]: Comércio, Tesouro, Estado, USTR e até no Capitólio. Eles foram diretos: não adianta o Lula ir aos EUA abrir negociação. O que pesa é o julgamento do Bolsonaro. Ponto final. Se ele for condenado, não tem acordo.”

Como todos acreditam que o STF já tem um veredicto pronto, o recado agora é para o Congresso. “Ele [Trump] aguarda que o Congresso conceda a anistia. O destino do Bolsonaro não está na mão do STF, está na mão do Congresso, e eles sabem disso”, diz. “O que eles querem é que o Bolsonaro fique livre da pena. Enquanto isso, o setor privado continua sequestrado pela pauta política.”

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Defesa da Seção 301 divide expectativas

Apesar do imbróglio político, alguns dirigentes de setores investigados pela Seção 301 se dizem confiantes quanto à não aplicação de tarifas adicionais ou restrições de importação. Welber Barral, ex-diretor de Comércio Exterior, que representou alguns dos setores no USTR, diz que os argumentos foram bem recebidos. “Conseguimos defender muito bem os interesses das empresas”, destaca.

“No caso de móveis, nós não temos nenhuma acusação grave”, afirma Cândida Cervieri, diretora executiva da Indústria Brasileira do Mobiliário (Abimóvel). “A associação apresentou números, qualidade, normalização, rastreabilidade, sustentabilidade, procedência das madeiras, e tudo mais. Não há trabalho escravo nem infantil, nenhuma razão para novas sanções.”

Segundo a executiva, os EUA representam cerca de 30% das exportações brasileiras de móveis, mas a participação do Brasil no mercado americano é mínima: “Para os Estados Unidos, isso não significa nem 1%. Tecnicamente, não há razão para eles não quererem acordo.”

Para José Velloso, diretor executivo da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), também representada na audiência junto ao USTR, o setor privado “estava muito bem preparado e defendeu muito bem o país”.

Mas isso, segundo ele, não garante uma vitória porque o ambiente está muito “contaminado pela política”. “Não estou fazendo um prognóstico, mas não vai ser fácil o Brasil sair vitorioso na 301”, diz. “Quem vai dar o veredicto não é o judiciário americano, mas o governo Trump.”

A saída, para Velloso, passa pela negociação com as contrapartes americanas, ou seja, os clientes das empresas nos Estados Unidos. “Não é simples, nem rápido, mas é o que nos sobra”, diz.

“Elas [as empresas americanas] podem pressionar para conseguirem que as exceções das tarifas sejam estendidas aos nossos setores. Não vão resolver todo o tarifaço, mas podem conseguir alguma coisa ou outra que o Brasil exporta e que eles precisam comprar sem a tarifa de 50%.”

Setores também apostam em outros mercados

Paralelamente, empresas buscam alternativas para minimizar os impactos da redução das exportações para o mercado americano, que caíram 18,5% em agosto, primeiro mês de vigência do tarifaço, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).

“É um momento em que não dá para ficar parado”, diz Cervieri, falando à Gazeta do Povo desde a Arábia Saudita, onde organiza uma feira do setor de móveis em busca de novos parceiros comerciais junto com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex).

“Estamos incrementando iniciativas para abrir mercado junto com outras empresas, independentemente dos resultados das negociações. Detectamos no passado que esse movimento estruturado era importante, mas o caminho não é fácil no curto prazo.”

O setor de máquinas e equipamentos, um dos mais afetado pelo tarifaço, também aposta na estratégia, mas enfrenta especificidades. “Máquina não é uma commodity”, diz Velloso.

“Vender máquinas no exterior exige qualidade, confiabilidade e preço competitivo, além de investimentos em promoção, distribuição, estoque de peças e máquinas, treinamento de montadores e assistência técnica. Também é necessário adaptar os produtos às normas técnicas de cada país, como ISO na Europa, DIN na Alemanha e normas específicas nos EUA e Japão. Conquistar confiança, tudo isso demora”, afirma.

O tarifaço afeta 7% do faturamento da indústria de máquinas e equipamentos e as empresas que exportam para os Estados Unidos normalmente têm mais de 50% das receitas atreladas a esse mercado, devido ao seu tamanho. O impacto máximo em caso extremo, se as vendas para os EUA fossem zeradas, seria um prejuízo de cerca de R$ 23 bilhões, com a perda de 20 mil empregos diretos e aproximadamente 80 mil empregos indiretos.

Além de diversificar mercados, as empresas têm procurado elevar a eficiência por meio de planejamento tributário e redução de custos. “Isso inclui ativar plenamente créditos e regimes aduaneiros, acelerar ressarcimentos, revisar engenharia de produto e rotas logísticas, além da renegociar preços e conformidade fiscal para prevenir multas”, explica Leandro Alves, especialista em Direito Tributário do escritório Bento Muniz Advocacia.

Para Cervieri, todas as cartas estão na mesa para mitigar os efeitos da elevação de tarifas. “Não existe previsão de nada, ninguém sabe o que vai acontecer “, diz. “Acho que todos estão esperando a semana que vem para arriscar algum palpite. Cada dia é um dia. Nunca pensei em viver um momento tão incerto. Por isso é preciso atuar em todas as frentes.”

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