Jobi, 70  – CartaCapital

Em um país em que a taxa de mortalidade de bares e restaurantes é alta — sete em cada dez fecham antes de completar cinco anos — chegar às sete décadas é motivo de celebração e memória. É o caso do Jobi, no Leblon, que em 2026 completa 70 anos de portas abertas na avenida Ataulfo de Paiva, 1166. Para marcar a data, o bar ganhará um livro, a ser editado pela Barléu.

A ideia nasceu de forma despretensiosa, em um fim de tarde em que a produtora cultural Renata Carvalho saboreava um chope no Jobi, frequentado pela sua família há décadas. Na parede, chamou sua atenção a data do alvará de funcionamento: 1956. Era a senha para que ela compartilhasse a descoberta com três amigas de infância — Elina, dentista, a irmã Carla, médica, e a prima Eliana, advogada. As três representam a terceira geração à frente do bar e acolheram a proposta de transformar a história do Jobi em livro.

Desde julho, Renata vem recolhendo histórias sobre o Jobi e seus frequentadores. Para isso, criou até um e-mail específico — Jobi70anos@gmail.com —, aberto a dicas, lembranças e curiosidades. A cada contribuição, descobre novos detalhes. Uma das perguntas mais recorrentes é sobre a origem do nome do bar. Mesmo Renata, que cresceu vendo os pais comerem no Jobi, só recentemente se deu conta da resposta: o bar recebeu o nome do próprio prédio em que funciona.

A família Rocha sempre cuidou da memória do Jobi com zelo. Em um apartamento do próprio edifício onde funciona o bar, está guardado um verdadeiro tesouro: recortes de jornais, a primeira registradora, prêmios, copos, guardanapos e toda uma memorabilia que jamais caberia atrás do balcão. “Uma das ideias, além do livro, é expor esses itens para os frequentadores”, explica Renata.

A história da família no Rio começou nos anos 1950, quando veio de Portugal. Instalou-se primeiro em Irajá, mas se assustou ao se deparar, certa manhã, com um corpo estendido no chão. Pouco tempo depois, mudou-se para o Leblon — então uma área ainda tranquila, longe da badalação que viria anos depois, antes mesmo de Tom Jobim e Vinicius de Moraes comporem Garota de Ipanema.

Com o tempo, o Jobi ganhou fama e se tornou ponto de encontro democrático: intelectuais, empresários, jogadores de futebol e anônimos que buscavam chope bem tirado e comida de botequim. Cazuza, que morava perto, era presença frequente, quase sempre acompanhado da amiga Bebel Gilberto. Raul Seixas não abria mão da pinga, enquanto Tim Maia chegou a perder um show porque preferiu ficar do lado de fora, bebendo seu uísque. Também passaram por lá nomes como Tom Jobim e Zico.

Mas não só de celebridades viveu a história do bar. Até hoje, turmas de médicos e advogados se reúnem religiosamente nas mesas, repetindo encontros de décadas. “É por isso que nada muda no Jobi”, diz Renata. “As pessoas gostam da tradição.” 

Um cliente assíduo pediu para ter suas cinzas espalhadas no bar. Os amigos saíram do enterro, tomaram um chope com a urna funerária sobre a mesa e espalharam parte das cinzas na calçada. Ao longo dos anos, a família recebeu milhares de propostas para vender o bar. “Todo o dia chega uma, mas nunca levamos a sério. Faz parte da nossa vida”, diz Elina. 

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