A liquidação extrajudicial do Banco Master por fraude de R$ 12 bilhões deve marcar um ponto de virada na supervisão do Banco Central (BC) sobre instituições financeiras de menor porte. Especialistas avaliam que o caso expõe fragilidades críticas de governança e gestão de risco e deve resultar em regulação mais rigorosa para bancos médios e pequenos, que hoje respondem por fatia significativa da oferta de crédito no país.
O conglomerado Master é classificado como instituição de “porte pequeno”, com 0,57% do ativo total e 0,55% das captações do sistema. A liquidação abrangeu o Banco Master S.A., a Master Corretora de Câmbio, Títulos e Valores Mobiliários, o Banco Letsbank e o Banco Master de Investimento. Com isso, todo o grupo fica impossibilitado de honrar o pagamento de seus Certificados de Depósito Bancário (CDBs), ampliando o impacto sobre investidores e credores.
Em nota divulgada na tarde desta terça-feira (18), o BC citou “graves violações às normas que regem a atividade das instituições integrantes”. O Ministério Público Federal (MPF) afirmou que o Master comprou carteiras de crédito de uma empresa dirigida por um ex-funcionário sem realizar qualquer pagamento. Logo em seguida, revendeu esses ativos ao BRB, banco público de Brasília, recebendo pagamento imediato. Essa estrutura inflou artificialmente o balanço do banco e permitiu a circulação fictícia de ativos dentro do sistema.
De acordo com a investigação, entre julho de 2024 e outubro de 2025, BRB e Master realizaram operações que somaram R$ 16,7 bilhões, ainda que houvesse “ressalvas formuladas pelo Banco Central”.
Para especialistas, o caso expõe fragilidades de governança, gestão de risco e transparência na captação por meio de títulos de alta remuneração. A expectativa é de que o BC responda com maior rigor sancionador e aperfeiçoe as regras de controles internos, requisitos de capital e divulgação de informações.
“Do ponto de vista regulatório, o caso Master tem de ser um divisor de águas para a supervisão de bancos médios e pequenos pelo Banco Central”, diz Leonardo Roesler, especialista em direito empresarial e sócio do RCA Advogados. “Isso não significa sufocar o segmento com exigências desproporcionais, mas sim calibrar uma supervisão mais intrusiva e tempestiva para reduzir risco sistêmico e, ao mesmo tempo, preservar a competição e o acesso ao crédito.” O recado para os bancos menores, segundo ele, “foi dado”.
Crise sistêmica devido ao Master é descartada
Jorge Ferreira dos Santos, economista e professor do curso de Administração da ESPM, afirma que o tamanho do Master reduz o risco de uma crise sistêmica. Mesmo assim, ele alerta para o risco de corrida aos bancos médios.
Santos chama atenção para um possível efeito contágio. Por conta da liquidação do Master, a confiança dos clientes em instituições financeiras de médio porte cairia e eles passariam a buscar os grandes bancos. “Isso pode provocar uma corrida aos bancos de grande porte e trazer um agravamento da situação, porque o efeito contágio costuma afetar bastante o ecossistema em que a instituição financeira está inserida”, comentou.
Marília Milani, head de contencioso do CBA Advogados, avalia que o risco sempre existe devido à interconexão do sistema financeiro. “As operações no sistema financeiro são interligadas e geralmente são realizadas com base na confiança. Porém, dentro do Sistema Financeiro Nacional existem estruturas e ferramentas para minimizar eventuais impactos quando é decretada uma intervenção pelo Banco Central, como ocorreu com o Master”, disse.
Alta rentabilidade e risco são o foco
O episódio chamou atenção para instituições que crescem rápido ancoradas em remuneração de alta rentabilidade. “Estamos falando de uma fraude bilionária em que o Banco Master pagava juros altíssimos e investia em ativos muito arriscados que, como as investigações criminais revelaram, se tratavam de fraudes”, diz Patricia Maia, especialista em direito bancário e sócia do Barbosa Maia Advogados. “Provavelmente, o BC vai apertar muito o cerco e aumentar a fiscalização junto às instituições financeiras, principalmente no que diz respeito ao pagamento de juros mais elevados.”
Milani destaca outros pontos que devem atrair a atenção do órgão fiscalizador: a publicidade e venda de produtos, o controle de informações e os riscos envolvidos. “Eles vão ter que olhar essa situação do Banco Master e ver se havia, de fato, alguma coisa que poderia ter sido melhor fiscalizada ou feita de outra forma para que não chegasse nessa situação — e, assim, prever novos mecanismos de fiscalização.”
A advogada lembra que o BC “costuma aprender com situações passadas”, com aprimoramento de resoluções e de instrumentos como o Fundo Garantidor de Créditos (FGC). O FGC garante até R$ 250 mil por pessoa (CPF ou CNPJ) por instituição financeira em caso de quebra — mecanismo pensado para evitar corridas bancárias.
Nesta terça-feira (18), o FGC anunciou diretrizes para o pagamento de garantias relativas ao grupo Master. O fundo ampliou o limite global de cobertura de R$ 1 milhão para R$ 1,6 milhão dentro de um período de quatro anos. O teto individual permanece em R$ 250 mil por CPF ou CNPJ e por conglomerado. Investidores poderão receber até R$ 600 mil a mais caso diferentes instituições venham a quebrar dentro da mesma janela.
Regulação é robusta, mas pode melhorar
Mesmo com lacunas, o arcabouço de regras do BC é considerado robusto e alinhado a padrões internacionais, como os de Basileia. Carlos Henrique, CEO da Sttart Pay, ressalta que a própria atuação do BC no caso demonstra que os mecanismos de fiscalização estão ativos e “são capazes de identificar operações atípicas que possam comprometer a solidez de uma instituição financeira”.
“As regras atuais já preveem controles sobre alocação de capital e transferência de ativos para evitar que os balanços dos bancos mascarem seus verdadeiros riscos”, diz. “Nada impede, porém, que esses controles sejam intensificados.”
Um foco de atenção, segundo Henrique, são as operações envolvendo Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs), que podem ser usadas como artifício para liberar capital regulatório indevidamente. Ele também defende maior transparência nas operações de cessão de crédito, dificultando manobras complexas e “garantindo a clareza sobre a real saúde financeira das instituições”.
Após Master, fintechs entrarão ainda mais na mira
Diego Peres, presidente da ABFintechs, acredita no aperto do aparato fiscalizatório, mas ressalva que limitações internas do Banco Central podem ter dificultado o ritmo de supervisão.
Segundo ele, a autarquia enfrenta “corte de orçamento, recomposição de equipe” e concursos escassos, além da perda de técnicos por aposentadoria e para o setor privado. “É até injusto falar que o Banco Central tem alguma culpa nisso”, diz.
Sua preocupação se dirige ao impacto sobre o setor de fintechs, em franca expansão, que costuma operar com estruturas enxutas. “Você aumenta a régua, e as fintechs que desenvolveram modelos para ganhar escala com uma estrutura mais enxuta talvez tenham alguma dificuldade caso esse aperto venha em decorrência desse evento”, afirma.
Nesse cenário, o caminho para licenças mais robustas, que permitam competir com grandes bancos, deve se tornar mais difícil. “A fintech que está na trajetória de eventualmente se tornar um banco vai ter um caminho alongado, e isso é prejudicial para o sistema financeiro”, diz. “Com cinco grandes bancos detendo 75% da carteira de crédito, a concentração tende a aumentar, elevando custos e reduzindo a competição.”
