Manter o padrão de vida está ficando mais caro para as classes média e alta. Dados do Ipea demonstram que a alta na inflação de serviços, principalmente aplicativos de transporte, aluguel e seguros de veículos, elevou o custo de vida dessa faixa da população em junho.
O levantamento indica que nesse mês a alta de preços começou a pesar mais para as classes média e alta do que para os mais pobres, que até então vinham sendo afetados por índices mais altos. Já havia inflação significativa para todos os estratos sociais; a diferença agora é que os índices sobre os segmentos intermediários e mais altos passaram a ser maiores.
Segundo o Ipea, os índices de inflação para a população de renda média-alta e alta foram de 0,27% e 0,28% em junho, respectivamente, o que significa uma elevação na comparação com os índices de maio (0,21% e 0,08%). Os porcentuais de junho foram mais altos para esses grupos do que para as famílias de renda mais baixa (confira os números mais adiante).
Enquanto isso, a queda no preço de alguns alimentos, após nove meses de elevação, desacelerou o aumento da cesta de consumo que impacta diretamente as camadas da população de renda mais baixa. No entanto, no acumulado de janeiro a junho, a inflação sobre as famílias mais pobres ainda é mais intensa.
De acordo com Matheus Dias, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (FGV-Ibre), os números retratam a influência maior que os alimentos têm na cesta da população de baixa renda, em comparação com a população de renda mais elevada.
Para a população de baixa renda, o percentual gasto com alimentação é bastante elevado, fazendo com que altas nesses produtos prejudiquem mais esse grupo.
“A população de baixa renda acaba se beneficiando desse movimento de menor pressão dos preços de alimentos, porque tem uma proporção da renda bastante significativa dedicada à compra de alimentos. Então, quando você tem um alívio nesses preços, essa parte da população acaba se beneficiando”, afirma.
À medida que a renda aumenta, a proporção do consumo de alimentos diminui em relação ao total de despesas. “As pessoas não compram mais alimentos porque a renda aumentou. Elas podem sofisticar o consumo, deixar de consumir um produto de baixa qualidade por um de qualidade mais elevada, consumir itens importados, seguir para linhas premium”, disse.
Salário mínimo e emprego pressionam inflação dos serviços
Em relação à alta inflacionária no setor de serviços, um dos principais fatores é o aumento do nível de emprego e do salário mínimo. Como o setor é intensivo em mão de obra, há uma alta nos custos, que acaba sendo repassada para o consumidor.
Um estudo da consultoria LCA 4intelligence demonstrou que os incrementos salariais explicam praticamente 70% da inflação de serviços. De acordo com a consultoria econômica, a inflação de serviços deve fechar o ano em 5,2%.
Até maio, a inflação dos serviços vinha se mantendo sob controle em razão da baixa no valor das passagens aéreas (27,9%), que não se manteve em junho, quando teve alta de 0,8%. Além disso, também tiveram alta o transporte por aplicativo (13,7%) e o aluguel de veículos (5,5%).
Cuidados pessoais e habitação afetaram inflação em junho
Além dos transportes, a alta da inflação em outros setores, como habitação, também foi decisiva para o aumento da inflação para a população de renda média-alta e alta em junho.
O grupo saúde e cuidados pessoais também pesou na inflação dessas faixas de renda, impulsionado pelos reajustes de 0,51% nos serviços de saúde e de 0,57% nos planos de saúde.
Em 12 meses, maior inflação foi a da alta renda
No acumulado de 12 meses, a faixa que registra o maior índice de inflação é a classe alta: o avanço médio dos preços foi de 5,4%, segundo o Ipea, ante 5,24% para os que têm renda muito baixa. A elevação de preços observada em serviços pessoais (5,5%) e mensalidades escolares (6,5%) contribuiu significativamente para o índice.
Além disso, reajustes nos preços de vestuário, itens premium de alimentação e até mesmo de joias também estão impactando a alta da inflação para as faixas de renda média-alta e alta.
Inflação para população pobre foi mais alta entre janeiro e junho
Mesmo com o alívio no mês de junho, a faixa mais pobre da população foi mais afetada pela inflação no acumulado de janeiro a junho deste ano. O estudo do Ipea mede a inflação por faixa de rendimento e divide as famílias em seis grupos, de acordo com os respectivos ganhos mensais: renda muito baixa, baixa, média-baixa, média, média-alta e alta.
A inflação para cada uma dessas faixas em junho e no acumulado do primeiro semestre foi a seguinte:
- Renda muito baixa (renda familiar abaixo de R$ 2.202 por mês): inflação de 0,2% em junho e 3,19% no 1.º semestre
- Renda baixa (R$ 2.202 a R$ 3.303): inflação de 0,21% em junho e 3,15% no 1.º semestre
- Renda média-baixa (R$ 3.303 a R$ 5.505): inflação de 0,23% em junho e 3,09% no 1.º semestre
- Renda média (R$ 5.505 a R$ 11.010): inflação de 0,24% em junho e 2,97% no 1.º semestre
- Renda média-alta (R$ 11.010 a R$ 22.020): inflação de 0,27% em junho e 3,04% no 1.º semestre
- Renda alta (acima de R$ 22.020): inflação de 0,28% em junho e 2,58% no 1.º semestre
No acumulado de janeiro a junho, contribuíram para a inflação da classe de baixa renda (3,2%) a alta de 3,6% no preço dos alimentos no domicílio e de 7% na energia elétrica. A faixa de renda alta tem a taxa menos elevada (2,6%), beneficiada pela queda média de 27,9% das passagens aéreas no período.
Alta nos preços continua perceptível para quem tem menos renda
Matheus Dias explica que, mesmo que a queda no preço dos alimentos tenha trazido um alívio inflacionário para as camadas de renda mais baixa, nem sempre há um benefício perceptível por essa faixa da população.
A inflação de alimentos subiu quase sem tréguas nos últimos anos, fazendo com que o nível de preços esteja muito alto. “Então, é bastante comum as pessoas de mais baixa renda alegarem que, apesar das quedas, os preços ainda estão muito altos”, afirma.
O elevado valor da cesta básica faz com que as pessoas de renda mais baixa recorram a alternativas para conseguir manter o consumo. “Muitas acabam recorrendo ao endividamento para conseguir consumir a cesta básica”, explica.
Tarifas de Trump podem baixar preço dos alimentos no Brasil
Segundo Dias, se as tarifas de 50% impostas por Donald Trump aos produtos brasileiros entrarem em vigor, elas podem ajudar a reduzir o preço dos alimentos no mercado interno. Isso pode ocorrer caso setores exportadores de alimentos, principalmente, não consigam escoar a produção.
Nesse caso, em vez de irem para os EUA, os produtos podem ser direcionados para o mercado interno e, com a maior oferta, o preço tende a cair. De certa forma, é o que ocorreu em junho: com o aumento na safra e na oferta de alimentos, o preço caiu.
Por outro lado, em relação a produtos manufaturados, por exemplo, caso o Brasil estabeleça uma tarifa recíproca para importações dos EUA, o custo irá aumentar, pressionando os preços.