O presidente Lula (PT) criticou nesta quinta-feira 17, em pronunciamento em rede nacional de televisão e rádio, a “chantagem inaceitável” do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao anunciar a tarifa de 50% sobre a importação de produtos brasileiros.
A nova taxa deve entrar em vigor em 1º de agosto. O Brasil, porém, trabalha por canais diplomáticos para demover a Casa Branca desse plano.
A decisão dos EUA, declarou Lula, veio à tona “com informações falsas sobre o comércio entre o Brasil e os Estados Unidos”.
“Minha indignação é ainda maior por saber que esse ataque ao Brasil tem o apoio de alguns políticos brasileiros. São verdadeiros traidores da Pátria. Apostam no quanto pior, melhor. Não se importam com a economia do País e os danos causados ao nosso povo.”
Ele não citou nomes, mas nos últimos dias elevou o tom contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que renunciou ao mandato em março e “trabalha” nos Estados Unidos para convencer Trump a aplicar sanções contra autoridades brasileiras.
Horas antes do discurso de Lula, Trump tornou a divulgar desinformação sobre o processo contra Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal.
“Espero sinceramente que o governo do Brasil mude de rumo, deixe de atacar seus adversários políticos e ponha fim a seu ridículo regime de censura”, escreveu, na plataforma Truth Social. “Vou acompanhar de perto.”
O magnata desconhece — ou ignora — os elementos obtidos pela Polícia Federal que sustentam a denúncia da Procuradoria-Geral da República. Também finge não saber que o governo federal não poderia, mesmo que desejasse, cancelar um julgamento no STF.
“Contamos com um Poder Judiciário independente”, devolveu Lula na TV. “No Brasil, respeitamos o devido processo legal, os princípios da presunção da inocência, do contraditório e da ampla defesa. Tentar interferir na Justiça brasileira é um grave atentado à soberania nacional.”
Lula declarou que sua gestão realizou “mais de dez reuniões” com o governo norte-americano e encaminhou, em 16 de maio, uma proposta de negociação.
“Esperávamos uma resposta, e o que veio foi uma chantagem inaceitável, em forma de ameaças às instituições brasileiras, e com informações falsas sobre o comércio entre o Brasil e os Estados Unidos”, criticou.
Ao divulgar a taxa, Trump alegou um suposto déficit na balança comercial com o Brasil. A realidade, no entanto, contradiz o discurso do republicano. “Os Estados Unidos acumulam, há mais de 15 anos, robusto superávit comercial de 410 bilhões de dólares”, ressaltou Lula nesta quinta-feira.
Big techs
Lula declarou em seu pronunciamento que a defesa da soberania brasileira também se aplica ao funcionamento das plataformas digitais estrangeiras.
“Para operar no nosso País, todas as empresas nacionais e estrangeiras são obrigadas a cumprir as regras”, afirmou.
“É preciso proteger as famílias brasileiras de indivíduos e organizações que se utilizam das redes digitais para promover golpes e fraudes, cometer crime de racismo, incentivar a violência contra as mulheres e atacar a democracia, além de alimentar o ódio, violência e bullying entre crianças e adolescentes, em alguns casos levando à morte, e desacreditar as vacinas, trazendo de volta doenças há muito tempo erradicadas.”
Mais cedo nesta quinta, Lula disse que o Brasil taxará “empresas americanas digitais”. Não detalhou, porém, a que tipo de cobrança se refere.
No fim de junho, o STF resolveu ampliar a responsabilidade civil das big techs por conteúdos criminosos de usuários, uma decisão que desagradou gigantes como o Google.
Diálogo e unidade na ação
Lula frisou que o governo brasileiro decidiu se unir a representantes dos setores produtivos, da sociedde civil e de sindicatos para responder ao tarifaço.
“Essa é uma grande ação conjunta que envolve a indústria, o comércio, o setor de serviços, o setor agrícola e os trabalhadores”, afirmou. “Estamos juntos na defesa do Brasil.”
Segundo ele, o caminho correto é apostar em boas relações diplomáticas e comerciais não apenas com os Estados Unidos, mas com todos os países.
Um levantamento da Confederação Nacional da Indústria divulgado na última quarta-feira 16 aponta que o tarifaço de Trump deve resultar em uma eliminação de 110 mil postos de trabalho no Brasil.
As baixas tendem a ser mais expressivas na agropecuária (-40 mil postos), no comércio (-31 mil) e na indústria (-26 mil).
A Confederação enfatizou ainda que a tarifa de 50% é desproporcional: o Brasil aplicou uma taxa real média de 2,7% às importações de produtos dos Estados Unidos em 2023, de acordo com registros da Receita Federal.
Também na quarta-feira, o governo brasileiro manifestou aos Estados Unidos sua “indignação” diante do tarifaço, mas reforçou em uma carta oficial estar pronto para negociar. O documento se dirigia ao secretário de Comércio, Howard Lutnick, e ao representante comercial Jamieson Greer.
“A imposição das tarifas terá impacto muito negativo em setores importantes de ambas as economias, colocando em risco uma parceria econômica historicamente forte”, dizia o texto, assinado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e pelo chanceler Mauro Vieira.
Investigação comercial
Lula também criticou no pronunciamento a investigação comercial deflagrada pelo governo Trump contra o Brasil, baseada, por exemplo, em uma suposta prática desleal “com relação a serviços de pagamento eletrônico”. O alvo óbvio é o Pix.
A gestão norte-americana, fervorosa em seu negacionismo climático, também acusa o Brasil de falhar no combate ao desmatamento ilegal, supostamente em prejuízo da “competitividade dos produtores americanos de madeira e produtos agrícolas”.
“O Brasil hoje é referência mundial na defesa do meio ambiente. Em dois anos, já reduzimos pela metade o desmatamento da Amazônia. E estamos trabalhando para zerar o desmatamento até 2030”, reagiu Lula. “Além disso, o Pix é do Brasil. Não aceitaremos ataques ao Pix, que é um patrimônio do nosso povo. Temos um dos sistemas de pagamento mais avançados do mundo, e vamos protegê-lo.”
O Brasil pós-Bolsonaro e a reciprocidade aos EUA
Lula afirmou ter encontrado o Brasil “isolado do mundo” ao tomar posse, em janeiro de 2023. Foi uma consequência direta dos anos sob Jair Bolsonaro (PL), durante os quais o negacionismo climático e científico se converteu em política de Estado.
“Estamos construindo parcerias comerciais com a União Europeia, a Ásia, a África e nossos vizinhos da América Latina e do Caribe”, disse o petista na TV. “Se necessário, usaremos todos os instrumentos legais para defender a nossa economia. Desde recursos à Organização Mundial do Comércio até a Lei da Reciprocidade, aprovada pelo Congresso Nacional.”
O presidente declarou que “não há vencedores em guerras tarifárias” e que o Brasil é um país de paz e sem inimigos.
“Acreditamos no multilateralismo e na cooperação entre as nações. Mas que ninguém se esqueça: o Brasil tem um único dono — o povo brasileiro.”
Leia na íntegra o pronunciamento de Lula na TV:
“Minhas amigas e meus amigos,
Fomos surpreendidos, na última semana, por uma carta do presidente norte-americano anunciando a taxação dos produtos brasileiros em 50%, a partir de 1º de agosto.
O Brasil sempre esteve aberto ao diálogo. Fizemos mais de 10 reuniões com o governo dos Estados Unidos, e encaminhamos, em 16 de maio, uma proposta de negociação. Esperávamos uma resposta, e o que veio foi uma chantagem inaceitável, em forma de ameaças às instituições brasileiras, e com informações falsas sobre o comércio entre o Brasil e os Estados Unidos.
Contamos com um Poder Judiciário independente. No Brasil, respeitamos o devido processo legal, os princípios da presunção da inocência, do contraditório e da ampla defesa. Tentar interferir na Justiça brasileira é um grave atentado à soberania nacional.
Só uma pátria soberana é capaz de gerar empregos, combater as desigualdades, garantir saúde e educação, promover o desenvolvimento sustentável e criar as oportunidades que as pessoas precisam para crescer na vida.
Minha indignação é ainda maior por saber que esse ataque ao Brasil tem o apoio de alguns políticos brasileiros. São verdadeiros traidores da pátria. Apostam no quanto pior, melhor. Não se importam com a economia do país e os danos causados ao nosso povo.
Minhas amigas e meus amigos, a defesa da nossa soberania também se aplica à atuação das plataformas digitais estrangeiras no Brasil. Para operar no nosso país, todas as empresas nacionais e estrangeiras são obrigadas a cumprir as regras.
No Brasil, ninguém — ninguém — está acima da lei. É preciso proteger as famílias brasileiras de indivíduos e organizações que se utilizam das redes digitais para promover golpes e fraudes, cometer crime de racismo, incentivar a violência contra as mulheres e atacar a democracia, além de alimentar o ódio, violência e bullying entre crianças e adolescentes, em alguns casos levando à morte, e desacreditar as vacinas, trazendo de volta doenças há muito tempo erradicadas.
Minhas amigas e meus amigos,
Estamos nos reunindo com representantes dos setores produtivos, sociedade civil e sindicatos. Essa é uma grande ação conjunta que envolve a indústria, o comércio, o setor de serviços, o setor agrícola e os trabalhadores.
Estamos juntos na defesa do Brasil. E faremos isso de cabeça erguida, seguindo o exemplo de cada brasileiro e cada brasileira que acorda cedo, e vai à luta para trabalhar, cuidar da família e ajudar o Brasil a crescer.
Seguiremos apostando nas boas relações diplomáticas e comerciais, não apenas com os Estados Unidos, mas com todos os países do mundo.
Minhas amigas e meus amigos,
A primeira vítima de um mundo sem regras é a verdade. São falsas as alegações sobre práticas comerciais desleais brasileiras. Os Estados Unidos acumulam, há mais de 15 anos, robusto superávit comercial de US$ 410 bilhões de dólares.
O Brasil hoje é referência mundial na defesa do meio ambiente. Em dois anos, já reduzimos pela metade o desmatamento da Amazônia. E estamos trabalhando para zerar o desmatamento até 2030.
Além disso, o Pix é do Brasil. Não aceitaremos ataques ao Pix, que é um patrimônio do nosso povo. Temos um dos sistemas de pagamento mais avançados do mundo, e vamos protegê-lo.
Minhas amigas e meus amigos,
Quando tomamos posse na Presidência da República, em 2023, encontramos o Brasil isolado do mundo. Nosso governo, em apenas dois anos e meio, abriu 379 novos mercados para os produtos brasileiros no exterior.
Estamos construindo parcerias comerciais com a União Europeia, a Ásia, a África e nossos vizinhos da América Latina e do Caribe.
Se necessário, usaremos todos os instrumentos legais para defender a nossa economia. Desde recursos à Organização Mundial do Comércio até a Lei da Reciprocidade, aprovada pelo Congresso Nacional.
Minhas amigas e meus amigos,
Não há vencedores em guerras tarifárias. Somos um país de paz, sem inimigos. Acreditamos no multilateralismo e na cooperação entre as nações.
Mas que ninguém se esqueça: o Brasil tem um único dono — o povo brasileiro.
Muito obrigado”.