Quando criança, Paulo Nunes adorava passar horas jogando futebol com seus amigos de rua. Detestava quando seu pai e seu avó paravam a brincadeira e o puxavam para que os acompanhasse nas vinhas da família no Douro, norte de Portugal e região reputada pelos tintos e pelo vinho do porto. Jurou que, quando crescesse, faria de tudo na vida, menos trabalhar com vinhos. Fez Engenharia Alimentar. Ingressou um ano no teatro universitário, mas voltou aos caminhos da infância.
“Fracassei redondamente na minha jura”, diz, sorrindo. Ele é enólogo há 20 anos da Casa da Passarella, está à frente no Dão de Quinta da Perdonda e já foi premiado algumas vezes por publicações portuguesas como o melhor produtor de vinhos de Portugal. “O viticultor tem heterônimos, buscamos produzir em várias regiões e explorar as nuances. Nossa vida tem muitos sacrifícios porque estamos a viajar para produzir ou para mostrar o que fazemos”, afirma Nunes, que perdeu os três primeiros aniversários da filha, em razão de viagens. “Temos de pôr a alma no que fazemos.”
Nos últimos anos, essa nova geração tem revolucionado o vinho português. “Antes se colocava carne em um moedor e saía um croquete, hoje um pedaço vira um presunto, outro vai à panela e outro é usado em um molho”, resume Nunes, cujos vinhos no Brasil são importados pela Premium Wines.
Manuel Lobo de Vasconcellos, à frente da Lobo de Vasconcellos Wines no Dão (vinhos também importados no Brasil pela Premium Wines), é de uma família há oito gerações no mundo do vinho, mas representa a primeira que ingressou em Enologia. Cursar a universidade fez com que buscasse uma novidade: escavou a vinícola familiar no Dão para mapear o subsolo, estudar a mineralidade e as variedades mais adaptadas. Nunca na história de 200 anos da propriedade isso tinha ocorrido.
“Saber o que se passa vários palmos abaixo do chão e conhecer bem os solos consegue colocar cada casta no lugar certo, sem ter necessidade de fazer determinadas correções à superfície. É bom para o produtor, bom para a vida do solo e, claro, bom para a saúde do consumidor.”
O aquecimento global tem trazido desafios. “As férias de verão estão mais difíceis de serem marcadas, tenho saído com a família em julho, em vez de agosto ou setembro”, afirma Lobo de Vasconcellos. As situações extremas – como chuvas, granizo ou temperaturas acima de 35 graus – têm sido mais frequentes. Isso faz com que se busquem solos que tenham mais capacidade de reter chuva em áreas em que a estiagem é mais prolongada. “Outra opção é plantar uvas em altitudes mais elevadas.”
A receita da nova geração inclui ainda recuperar antigas maneiras de fazer vinhos e trabalhar com uvas menos badaladas. Depois de rodar 80 mil quilômetros por ano como consultores de vinícolas em diferentes terroirs, Jorge Rosa Santos e Rui Lopes criaram em 2016 a Lés-a-Lés, um projeto com o desejo de recuperar castas antigas, regiões e estilos de vinhos esquecidos do país. Para estampar os rótulos, a escolha foi o desenho de um bilhete de trem, uma homenagem aos deslocamentos da dupla. Com cerca de 20 mil garrafas, a dupla faz brancos e tintos que exploram uvas e terroirs menos badalados.
Um exemplo é o branco Quinta das Marés com as castas Jampal e Vital de vinhedos ao sopé de Montejunto, uma serra calcária na Extremadura. Outro é o Medieval de Ourém, que carrega uma história singular. Séculos atrás, monges da ordem cisterciense transmitiram aos portugueses o método de vinificação aprendido na Borgonha: uvas brancas e tintas eram cofermentadas e depois passavam por barricas. Jorge e Rui resolveram fazer o mesmo dos antepassados. Esses vinhos chegam em breve ao Brasil pela primeira vez, por meio da importadora @emiwine, de Emiliana Medauer.
As novidades também chegam do outro lado do Atlântico. O casal carioca Rafael e Juliana Kelman está se aventurando com uma vinícola no Dão desde 2013. Juliana trocou a publicidade pelo mundo do vinho, Rafael ainda concilia o universo da eletricidade no Brasil com algumas idas para Portugal. A escolha do país não foi aleatória.
Juliana foi em busca de seus laços familiares. Viram uma quinta à venda no Dão. Assinaram o cheque. São seis hectares, com vinhas plantadas em 2000 com castas tradicionais, incluindo Touriga Nacional e nesse caso também a touriga brasileira. Os vinhos dos Kelman, cujo enólogo é Antonio Narciso, não chegam ainda ao Brasil, estão em busca de importadora.