O anúncio feito pela Prefeitura de São Paulo na sexta-feira (6) de construir um conjunto habitacional onde estava localizado o fluxo de usuários na área conhecida como cracolândia, no centro de São Paulo, explicita o movimento da gestão de Ricardo Nunes (MDB) de expulsar a população do centro da cidade para favorecer empreendimentos imobiliários, avalia Daniel Mello, integrante do coletivo A Craco Resiste.
“A prefeitura soltou duas resoluções, uma em abril e outra em maio, da subprefeitura da Sé, para dificultar a existência desses imóveis, apertando a fiscalização de uma maneira que não existe em nenhuma outra parte da cidade, para lacrar esses imóveis e criar uma situação ali de expulsar essas pessoas”, afirma Mello.
Apesar da justificativa de construir moradias, os principais beneficiados nesse processo são os empresários do setor imobiliário, destaca Mello. “A partir da expulsão dessas pessoas, justificam a demolição desses imóveis, abrindo espaço para empresários investirem. Mesmo os projetos de habitação, a gente tem que lembrar que eles são construídos com parceria público-privada. Então, existem empresários privados que ganham dinheiro”, destaca Mello.
No final de maio, a prefeitura entregou uma notificação extrajudicial aos artistas do Teatro de Contêiner Mungunzá, dando o prazo de 15 dias para que se retirem da área, localizada na região da Luz, no Centro de São Paulo (SP). O grupo recorre da decisão com apoio da Defensoria Pública, em busca de mais tempo para organizar apoios e estratégias de permanência.
No dia 29 de maio, houve uma reunião com o subprefeito da Sé, coronel da reserva da Polícia Militar (PM) Marcelo Salles, indicado por Nunes. Não houve qualquer acordo. Esta mesma subprefeitura interditou sete pensões na região central, apenas neste ano.
“Eles falam que são estabelecimentos associados ao crime. Isso é mentira. Nós conhecemos as pessoas, são famílias que trabalham lá, são famílias pobres, que têm ali comércios de subsistência, pequenos bares, pequenas mercearias”, enfatiza Mello.
Com essas ações, Nunes dá continuidade a um projeto iniciado na cidade em 2006, pelo então prefeito Gilberto Kassab (PSD), hoje secretário de Governo e Relações Institucionais de São Paulo, que iniciou o processo de derrubada dos imóveis da região, com a mesma retórica hoje utilizada pelas gestões municipal e estadual.
“São quase 20 anos que aquilo está abandonado. E a justificativa era a mesma, de que a região é deteriorada, ‘a gente vai trazer equipamentos da prefeitura para cá’. Só que os processos que estão sendo feitos ali, são coisas que não seriam aceitas em nenhuma outra parte da cidade.”
Histórico
O terreno de propriedade do município está ao lado de onde se concentrava o fluxo da Cracolândia, esvaziado no último 13 de maio. Abandonada por anos, a área na rua dos Gusmões foi ocupada pelo Teatro de Contêiner, da Companhia Mungunzá, em 2016. Com 11 contêineres montados no espaço, o teatro foi vencedor de prêmios e realizou cerca de quatro mil atividades artísticas ao longo de nove anos.
Uma gravação acontecia com o rapper Edi Rock, dos Racionais MC’s, quando representantes da subprefeitura da Sé chegaram para entregar a notificação.
No mesmo terreno está a sede do Coletivo Tem Sentimento que, com doações e geração de renda por meio da costura, atua há cerca de sete anos com mulheres, pessoas trans e imigrantes da região da Cracolândia. Atualmente, o grupo atende aproximadamente 70 pessoas.
“O nosso espaço tem sido um refúgio para aquelas e aqueles que mais precisam, um ponto de apoio onde as portas estão sempre abertas e sem julgamentos para quem busca a chance de recomeçar. Não podemos permitir que um projeto com tantos frutos colhidos seja interrompido”, afirma nota do Tem Sentimento.
Na notificação, a Prefeitura de SP diz entender que “a área onde está situada atualmente o Teatro de Container (sic) é um ponto estratégico para que seja instrumentalizado um novo programa habitacional municipal”.
Em nota ao Brasil de Fato, a prefeitura de São Paulo informou que “vinha promovendo, desde o ano passado, reuniões com representantes do equipamento” e que “a área será destinada a atendimento de famílias cadastradas em serviços municipais e moradores da região no âmbito das ações integradas que vêm recuperando toda a região central da cidade”.