Douglas Germano oferece originalidade e a alma brasileira em seu 5º álbum – CartaCapital

O paulista Douglas Germano construiu uma discografia autêntica, muito além do convencional. Seu primeiro álbum, Duo Moviola (2009), foi uma parceria com Kiko Dinucci. Depois vieram Orí (2011), Golpe de Vista (2016), Esculhama (2019) e Partido Alto (2021). Neste ano chegou a vez de Branco, que sintetiza sua carreira em 11 faixas.

O novo disco tem diversas referências afro, sociais e cotidianas. É uma teia de temas a partir de quem olha tudo com a alma.

“É o universo brasileiro que a gente observa”, resumiu Douglas, em entrevista a CartaCapital. Ele contou com parceiros de peso para dar forma às suas reflexões, incluindo Roberto Didio, Luiz Antonio Simas, Alfredo Del Penho, Fábio Peron e Márcia Fernandes.

Ronda (de Douglas), a faixa de abertura, é uma exploração sonora de ferros, enxada, pá, panela, facão, vergalhão, bigorna, tonel, torno, além de atabaques e tamborins, conduzidos pelo próprio autor. O cavaco e o violão de Henrique Araújo se entrelaçam com o som percussivo desses elementos inusitados, em meio a uma letra com marcas afro.

A música seguinte, Zelite (com Didio), oferece uma crítica sagaz às elites. No refrão, o distanciamento do Brasil popular: A Zelite não gosta de forró/ A Zelite no samba, que caô.

Em Ode do Pode Não Pode (com Peron), um jogo de palavras: Um pode e num pode/ de rachar o quengo/ num tamo podendo nem palavrear/ e quem diz que num pode/ tudo tá podeno/ e a gente só veno/ ele se arrumá. A composição sugere união de trabalhadores e ação.

A música 19 de março, Dia de São José, narra a beleza das crenças.  

“Fazer letra de música não é fazer uma crônica, um poema”, diz Douglas. “Na letra de música você precisa perseguir uma síntese muito curta, traçar um perfil do personagem.”

No álbum Branco, como em todos os trabalhos de Douglas Germano, a sonoridade se fundamenta no samba, explorando suas possibilidades rítmicas, sem tornar o gênero um mero acompanhamento

Desde pequeno ele sai em baterias de escola de samba. “Uma coisa é ouvir a bateria no desfile de Carnaval, que faz uma síntese sonora. Outra coisa é ouvir a bateria da escola de samba dentro dela, ali no meio dos instrumentos. Nesse lugar, você nota uma variedade de repertório e uma polirritmia fabulosa.”

Para ele, o samba pode ir muito mais longe do que normalmente ocorre. “A indústria da cultura de massa conseguiu consolidar uma fórmula que aparece sempre da mesma maneira, sempre com os mesmos instrumentos, a mesma arregimentação, o mesmo arranjo e um acompanhamento que não conversa com o que é dito.”

Douglas Germano é um compositor de mão cheia — tem músicas gravadas por Fundo de Quintal e Metá Metá —, mas se tornou conhecido como um competente autor com Maria da Vila Matilde, gravada por Elza Soares no disco A Mulher do Fim do Mundo (2015). Virou um hino de denúncia da violência contra a mulher —essa música se baseia na história de sua mãe, que era constantemente violentada por seu pai.

“Quando era muito garoto, sofria com essas questões. Muitos anos depois eu fiz essa música como se fossem ‘garrafas ao mar’, para me livrar daquela história. A minha família é absolutamente destruída por conta dessa questão”, relembra.

“Não podia falar nada para ninguém. Era ‘tudo certo’ com a mãe de cara roxa e o pai que sumia e voltava três dias depois. Era uma situação de terror. Eu era o filho mais velho e tinha, ao mesmo tempo, que consolar meus irmãos mais novos.”

A história que Douglas viveu já tem quase 40 anos. Hoje, ele lamenta que nada mudou em muitas casas brasileiras. 

Assista à entrevista:

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