Há três anos, o Tribunal Superior do Trabalho decidiu adotar um lema: “O Tribunal da Justiça Social”. A ideia era se aproximar da sociedade. Na semana passada, soubemos que o mesmo TST vai gastar R$ 1,5 milhão em dois anos para ter uma sala vip no aeroporto de Brasília. Motivo: evitar que indivíduos “mal-intencionados ou inconvenientes” se aproximem dos ministros da Corte.
(Dúvida: você saberia reconhecer um ministro do TST?)
Nesta semana, outra contratação veio a público: o Tribunal vai desembolsar R$ 10,4 milhões na compra de 30 sedãs a serem usados por seus 27 ministros. O modelo escolhido, o mais caro de quatro concorrentes, sairá por R$ 346 mil a unidade. É um híbrido com motor 2,5 litros, 211 cavalos e, presume-se, o conforto esperado pelas autoridades.
Esse tipo de despesa, você sabe, não é exclusividade da instância máxima da Justiça Trabalhista. Para ficar num exemplo, basta lembrar que o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já dispunham de salas exclusivas no aeroporto, que serviram de molde para a do TST. Os operadores do Direito entendem de isonomia.
Prerrogativas como essas causam indignação a muito contribuinte (gente inconveniente é assim: reclama do dever de pagar impostos e depois se queixa do uso do dinheiro). Mas são coisa pouca se comparadas a tudo o que o Brasil gasta para manter a Justiça.
Apenas em pagamentos acima do teto constitucional a magistrados, foram R$ 10,5 bilhões no ano passado, o equivalente a 30 mil veículos padrão TST. O valor representa um acréscimo de quase 50% em relação ao valor de 2023. Uma verdadeira corrida para além do teto, na definição do pesquisador Bruno Carazza, que levantou os dados em tribunais e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Em dois anos, juiz brasileiro “médio” ganha o equivalente a uma sala vip padrão TST
A evolução dos ganhos por magistrado é notável.
Em 2023, quando o subsídio médio (salário-base) dos juízes brasileiros era de R$ 34,4 mil, seu rendimento líquido – ou seja, o valor efetivamente recebido por mês – chegava a R$ 45 mil graças às verbas ditas indenizatórias.
No ano seguinte, com subsídio médio de R$ 36,7 mil, o rendimento líquido beirou os R$ 55 mil, segundo o levantamento.
Não parou aí. Em fevereiro de 2025, o rendimento médio dos magistrados do país atingiu o recorde de R$ 66,4 mil – R$ 20 mil acima do que deveria ser o teto remuneratório do serviço público, de R$ 46,4 mil.
Isso significa que, em dois anos, um juiz brasileiro “médio” ganha quase R$ 1,6 milhão. Dá uma sala vip padrão TST e ainda sobra um pouco. Há magistrado que ganha menos? Sim. E há quem ganhe mais. Estamos falando da média.
Cinco anos atrás, os adicionais ao salário-base não representavam nem 5% do rendimento médio dos juízes. Neste ano, os extras respondem por mais de 40% dos ganhos, conforme a pesquisa de Bruno Carazza. Felizmente para quem recebe, esse tipo de verba não paga Imposto de Renda.
Que adicionais são esses? Alguns exemplos dos tribunais brasileiros: auxílios para moradia, alimentação e saúde; educação privada de filhos e dependentes; verbas de representação; gratificações; indenização por uso de celular pessoal; ajuda de custo para capacitação; e outros.
Muitos desses pagamentos são feitos – e considerados “indenizatórios”, portanto não sujeitos ao teto e livres de IR – por decisões administrativas dos tribunais, chanceladas pelo CNJ. Ainda que elas não tenham passado pelo crivo do Congresso, o Judiciário entende que têm força de lei.
No ano passado, o governo tentou inscrever na Constituição a previsão de que só parcelas “expressamente previstas em lei complementar” – que exige quórum maior – poderiam superar o teto do funcionalismo. Sob influência do Judiciário e do Ministério Público, o Congresso rebaixou a exigência para “expressamente previstas em lei ordinária”. Na prática, abriu margem para interpretações. Para que tudo continue como está.
Cada brasileiro ocupado entrega ao Estado R$ 1,5 mil ao ano para bancar a Justiça
Juntando salários, verbas extrateto, salas vip, veículos e a manutenção da máquina toda, a despesa total do Brasil com a Justiça chegou a R$ 157 bilhões em 2024, R$ 22 bilhões a mais que no ano anterior, segundo dados do Tesouro Nacional.
Na média, cada brasileiro ocupado (empregado, autônomo, empresário) entregou ao Estado cerca de R$ 1,5 mil ao longo do ano só para bancar o Judiciário.
Quando comparamos com o tamanho da economia, de 2023 para 2024 o gasto passou de 1,33% para 1,43% do PIB. Mais de quatro vezes a média global (0,3% do PIB) e quase o triplo da média de economias emergentes (0,5%).
No ano passado, ao comentar levantamento semelhante, Luís Roberto Barroso escreveu que a atuação da Justiça tem “valor inestimável, que não se mede em dinheiro”. “O custo da Justiça pode parecer alto, mas o da falta de justiça é bem maior”, arrematou o presidente do STF e do CNJ.
De acordo com o Tesouro, apenas El Salvador, com 1,6% do PIB, gasta mais com o sistema judiciário que o Brasil. Caso um dia cometa a inconveniência de se aproximar de um ministro de tribunal superior, pergunte o que ele acha da Justiça de lá.
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