por Luã Cruz e Julia Catão Dias
No dia 18 de setembro, o governo federal instituiu a Medida Provisória 1.318, que cria o Regime Especial de Tributação para Serviços de Data Center (Redata), visando estimular a instalação e ampliação dessas infraestruturas. Ao oferecer isenção de tributos como PIS/Pasep, Cofins, IPI e Imposto de Importação na aquisição de equipamentos, a medida busca reduzir custos operacionais, promover o retorno de serviços digitais atualmente operados no exterior, incentivar a inovação tecnológica e fortalecer a segurança e a soberania digital do País. Mas a que custo?
Entretanto, esse panorama promissor oculta preocupações importantes, uma vez que a medida promove um modelo de expansão acelerada sem diálogo e controle social efetivos, colocando interesses econômicos e estratégicos acima de alertas sobre os graves riscos socioambientais associados a essas infraestruturas. As contrapartidas previstas, como uso de energia proveniente de fontes renováveis e investimentos em pesquisa, são frágeis na sua implementação, podendo ser flexibilizadas em regulamentações futuras, sem garantias concretas de proteção à natureza.
Além disso, o impacto ambiental dessa expansão é multifacetado, uma vez que data centers de inteligência artificial podem consumir energia equivalente a cidades inteiras. Além disso, há o impacto direto sobre o uso intensivo de água, poluição sonora, geração de resíduos eletrônicos e até mesmo a extração mineral agressiva, tudo sem salvaguardas rígidas contra danos ambientais, nem mecanismos garantidos de consulta e participação das comunidades indígenas e tradicionais atingidas.
Não se trata de riscos hipotéticos. Em Caucaia, no Ceará, o licenciamento ambiental de um data center do TikTok foi classificado como de “baixo impacto”, dispensando estudos mais amplos, embora o consumo de energia previsto supere o de 99% dos municípios brasileiros. A cidade, vale lembrar, enfrentou situação de emergência por estiagem e seca em 16 dos últimos 21 anos (2003–2024). No plano global, a retirada anual de água para essas instalações chega a 560 bilhões de litros, com potencial de dobrar até 2030, impulsionada pela expansão da IA.
Essas preocupações são ampliadas pela ausência de políticas que garantam justiça socioambiental, ampliando o risco de o país se transformar num grande quintal digital. O discurso oficial de soberania contrasta com a prática de entregar natureza e território para abrigar infraestrutura crítica de grandes corporações, que concentram poder econômico e político e já deixaram rastros de danos em outras regiões. O desenho atual pode financiar um ciclo extrativista com renúncia fiscal estimada em 7,5 bilhões de reais, sem garantia de retorno social proporcional.
É fundamental que investimentos e incentivos estejam condicionados a normas ambientais rigorosas, mecanismos efetivos de participação pública e transparência plena dos processos. Só assim será possível construir um modelo digital que respeite os limites planetários, promova a justiça socioambiental e assegure a soberania digital do País.
Luã Cruz é coordenador da equipe de telecomunicações e direitos digitais do Idec. Atualmente, cursa o Mestrado em Divulgação Científica e Cultural pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e é bacharel em Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
Julia Catão Dias é coordenadora do programa de Consumo Responsável e Sustentável do Idec. Também é advogada, cientista social e mestranda em Direitos Humanos pela Universidade de São Paulo (USP).
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.