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A disputa pelo bilionário mercado de soja da China, dominado pelo Brasil e cobiçado pelos Estados Unidos, entrou em uma nova fase em meio às tensões no comércio global iniciadas com as novas tarifas americanas.

Depois de impor sobre o Brasil as mais altas taxas alfandegárias, o presidente americano, Donald Trump, agora pressiona Pequim para aumentar as importações da commodity agrícola de produtores de seu país, em meio a uma janela de negociação de um acordo comercial com o governo de Xi Jinping.

A China é o maior mercado consumidor e o principal importador de soja do mundo, representando 61,1% de todas as compras da oleaginosa no mercado mundial. O volume se justifica pelo uso intenso do insumo para produção de ração animal, destinada à suinocultura e à avicultura do país. A demanda chinesa é suprida em apenas 15% com produção nacional, dependendo em 85% de grãos importados.

No ano passado, segundo a Administração Geral das Alfândegas da China, o país gastou US$ 52,8 bilhões com a importação de 105,03 milhões de toneladas da commodity, das quais 74,6 milhões, ou 71,1% do total, partiram do Brasil, e 22,1 milhões (22%), dos Estados Unidos.

O terceiro e quarto maiores exportadores foram Argentina e Uruguai, porém com volume significativamente inferior, de 4,1 milhões (3,9%) e 2,02 milhões (1,9%) de toneladas, respectivamente.

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No domingo (10), quatro dias depois de entrar em vigor nos EUA o tarifaço de 50% sobre produtos importados do Brasil, Trump pediu publicamente à China que “quadruplique rapidamente” suas compras de soja dos americanos. A declaração foi feita ainda a dois dias de expirar o prazo acordado entre Washington e Pequim da suspensão de uma escalada sem precedentes de barreiras tarifárias recíprocas anunciadas pelos dois países.

Em 12 de maio, Estados Unidos e China haviam concordado em reduzir as tarifas por um período de 90 dias. Com isso, as taxas aplicadas pelo governo americano sobre importações chinesas foram baixadas temporariamente de 145% para 30%. Já a alíquota imposta pela China sobre mercadorias americanas caiu de 125% para 10%.

“A China está preocupada com a escassez de soja. Nossos grandes agricultores produzem os grãos de soja mais robustos. Espero que a China quadruplique rapidamente seus pedidos de soja”, escreveu o presidente americano na rede Truth Social.

Trump acrescentou ainda que “um serviço rápido será prestado” diante do aumento da demanda pelo produto. “Obrigado, presidente Xi [Jinping]”, concluiu. Embora o presidente não tenha citado o Brasil na postagem, uma alta nas compras chinesas da oleaginosa americana implicaria diretamente em uma redução da participação do produto brasileiro, seu principal concorrente.

Um dia após a declaração de Trump, China e Estados Unidos prorrogaram por mais 90 dias, portanto até 12 de novembro, a redução temporária das tarifas recíprocas, enquanto negociam um acordo comercial.

“O risco que o Brasil corre agora é que, nas tratativas entre os governos chinês e americano, os Estados Unidos aumentem a participação no mercado chinês, por decisão mais política do que econômica e comercial”, diz Alberto Pfeifer, pesquisador sênior do Insper Agro Global e coordenador do grupo de Análise de Estratégia Internacional da Universidade de São Paulo (USP).

Hoje os Estados Unidos não têm a capacidade de quadruplicar suas exportações de soja para a China, diz Pfeifer, mas a declaração de Trump sugere que o comércio do grão pode ser incluído nas tratativas com o país asiático.

Uma possibilidade seria a China estabelecer uma cota isenta de tarifas para a soja importada dos Estados Unidos, o que pode ser considerado positivo também para Pequim por reduzir a dependência da importação da commodity de um único fornecedor – o Brasil.

O problema para o Brasil é que o país também é dependente da China no sentido inverso. Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), apontam que 73,4% do volume de soja exportada pelo país em 2024 tiveram como destino o mercado chinês. De todo o dinheiro o que o Brasil fatura vendendo variados produtos ao mundo inteiro, 9% vem do comércio de soja com a China.

Para o assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais, Celso Amorim, o pedido de Trump mostra “quase um estado de guerra” de Washington contra o Brasil, embora ele não acredite que a China possa atender à demanda do presidente americano.

“Não vejo razão para temer que a China vá abandonar a parceria estratégica, mas é sempre preciso que haja diálogo e acho que essa informação revela quase um estado de guerra contra o Brasil. Porque não é uma coisa ganha na competição comercial, é algo que ganha na força”, disse Amorim em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, na noite de segunda-feira (11).

No mesmo dia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Xi Jinping haviam conversado por telefone e, segundo ambos os governos, reafirmaram o alinhamento político e econômico entre os dois países, embora aparentemente não tenham tratado das negociações de Pequim com Washington.

Segundo a agência estatal chinesa Xinhua, Xi afirmou na ligação que a China “está pronta para trabalhar com o Brasil para dar o exemplo de unidade e autossuficiência entre os principais países do Sul Global”.

Ele disse ainda que os laços entre os países estão “em seu melhor momento histórico”, com “um futuro compartilhado e o alinhamento das estratégias de desenvolvimento dos dois países tendo um bom início e progredindo sem percalços”, ainda de acordo com a agência.

Lula disse que os países se comprometeram a “ampliar o escopo da cooperação para setores como saúde, petróleo e gás, economia digital e satélites” e que querem continuar identificando “novas oportunidades de negócios entre as duas economias”.

Brasil ganhou mercado chinês de soja após tarifas dos EUA no primeiro mandato de Trump

De acordo com os dados oficiais chineses, os EUA historicamente atenderam a maior parte da demanda do país asiático por soja até 2012 e, a partir do ano seguinte, o Brasil passou a superar as exportações americanas.

As vendas dos dois países ocidentais mantiveram-se mais ou menos próximas até 2016, quando o volume embarcado pelo Brasil rumo à China correspondeu a 45,7% das compras chinesas, enquanto os EUA responderam por 40,4% das importações do país asiático.

Em 2017, Trump assumiu seu primeiro mandato como presidente americano, defendendo a tarifação de produtos estrangeiros como forma de retaliação a países por práticas desleais com os EUA. Naquele ano, a participação do Brasil nas importações de soja da China subiu para 53,3%, ao passo que a fatia americana caiu para 34,4%.

A grande virada, no entanto, ocorreu em 2018, quando a primeira rodada de tarifas sobre mercadorias chineses foi de fato implantada. Pequim retaliou taxando produtos americanos, e um dos alvos principais foram commodities agropecuárias, em particular a soja, o principal item agrícola americano exportado para a China.

Com as novas tarifas sobre a soja dos EUA, importadores chineses passaram a buscar fornecedores alternativos, e o Brasil saiu beneficiado, passando a vender volumes recordes para o país asiático. Naquele ano, a participação brasileira no mercado de soja chinês chegou a 75,1%, enquanto os americanos ficaram com 18,9%.

Em janeiro de 2020, Estados Unidos e China assinaram um acordo comercial, chamado de “Fase Um”, por meio do qual Pequim se comprometeu a comprar volumes adicionais de produtos americanos, incluindo uma cota de US$ 40 bilhões anuais de soja por dois anos, totalizando US$ 80 bilhões.

Diante dos preços mais competitivos e da qualidade do produto brasileiro, no entanto, as metas não foram totalmente cumpridas pelo mercado chinês. Entre 2020 e 2022, a China comprou cerca de 73% da meta acordada com os Estados Unidos. Enquanto isso, o Brasil manteve-se na liderança das exportações de soja, embora a diferença para os EUA no volume embarcado tenha se estreitado.

Em 2025, com o novo mandato de Trump, a reiteração de seu discurso protecionista e em meio a tensões comerciais entre Washington e Pequim, a China ainda não importou nenhum grão americano para o quarto trimestre.

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Importadores do país finalizaram as reservas de cargas de soja para setembro, adquirindo cerca de 8 milhões de toneladas, todas da América do Sul, segundo a Reuters. Para outubro, compradores do país já garantiram cerca de 4 milhões de toneladas — metade de sua necessidade esperada — também da América do Sul, ainda de acordo com a agência.

No ano passado, o mercado chinês reservou cerca de 7 milhões de toneladas de soja dos Estados Unidos para embarques nos mesmos dois meses. A maioria das compras de soja americana pela China é feita entre setembro e janeiro, enquanto o Brasil assume o suprimento da demanda a partir do primeiro trimestre, após a colheita da primeira safra do grão.

À Reuters, negociadores do mercado de soja disseram que a prorrogação da trégua tarifária não deve estimular novas compras dos Estados Unidos, já que a tarifa de Pequim sobre as importações de soja americana permanece em 23%.

Sem as taxas, contudo, a commodity dos Estados Unidos para embarque em outubro está cerca de US$ 40 por tonelada mais barata do que as cargas brasileiras que estão sendo compradas pela China, de acordo com a agência.

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