Bolsonarismo interno segue atrapalhando investigações sobre a PM-DF e o 8 de Janeiro  – Política – CartaCapital

Cinco membros da cúpula da PM do Distrito Federal são réus no Supremo Tribunal Federal desde fevereiro, acusados de omissão dolosa no quebra-quebra do 8 de Janeiro. Segundo a Procuradoria Geral da República, os oficiais estavam “contaminados ideologicamente” e esperavam uma “insurgência popular” que pudesse assegurar a permanência de Jair Bolsonaro no poder.

Essa “contaminação ideológica”, entretanto, não desapareceu com o afastamento da antiga cúpula. A atual comandante da corporação, coronel Ana Paula Barros Habka, e o corregedor, coronel Luciano Siqueira dos Santos, também apresentam claros vínculos bolsonaristas. 

Ambos são personagens de uma espécie de ‘ação entre amigos’ existente na PM do Distrito Federal já há algum tempo. 

Ana Paula, 50 anos, foi alçada ao comando geral da PM em janeiro deste ano pelo governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB). Antes disso, já ocupava cargos estratégicos na corporação durante a gestão do coronel Márcio de Cavalcante Vasconcelos, outro oficial de perfil bolsonarista que liderou a PM entre 2021 e 2022. A coronel segue perfis no Instagram como “Bolsonaro Esporte Clube” e “Mulheres com Bolsonaro”, o que deixa poucas dúvidas em relação às suas preferências ideológicas.

O corregedor Luciano Siqueira, por sua vez, tem relações próximas com investigados nos episódios do 8 de Janeiro. Ele foi escolhido pelo coronel Klepter Rosa Gonçalves, número 2 da PM na época dos ataques e hoje réu no STF. Em depoimento, Siqueira também admitiu proximidade com o coronel Fábio Augusto Vieira, outro réu, dizendo que ele foi seu padrinho de casamento. “Conheço a família, frequento a sua residência.”

Além disso, a chefe de gabinete de Siqueira, major Cristiane Caldeira, também apresenta conexões com figuras alinhadas ao bolsonarismo. Ela é casada com o advogado que defende o desembargador aposentado Sebastião Coelho da Silva, na mira do CNJ por incitar discursos golpistas. 

A major Caldeira também chegou a participar de uma vaquinha para arrecadar fundos para PMs presos preventivamente por sua atuação nos ataques de janeiro. A página da corregedoria no Instagram segue, entre outros, Bolsonaro, o senador Sérgio Moro (UB-PR) e o deputado Sargento Fahur (PSD-PR), um PM reformado que é um radical apoiador do ex-presidente. 

Todas essas conexões ajudam a entender por que o ministro Alexandre de Moraes, do STF, apontou “desobediência” da PM em relação ao envio de documentos fundamentais para a investigação da intentona golpista.

Em maio de 2023, Moraes pediu documentos relacionados à atuação da PM-DF durante os ataques. Apenas em outubro, contudo, após insistência do STF, os papéis começaram a ser enviados, sem clareza sobre sua completude. Não se sabe se a corporação encaminhou tudo o que existe ou só uma parte.

A vista grossa da PM-DF nos episódios do 8 de Janeiro reflete, segundo a PGR, um alinhamento ideológico com grupos que defendiam intervenção fardada. A denúncia cita, por exemplo, trocas de mensagens entre Gonçalves e Vieira que sugerem a expectativa de que o caos nas ruas pudesse justificar a aplicação do artigo 142 da Constituição, abrindo caminho para os militares anularem o resultado das eleições. 

Bolsonaro precisava do caos para justificar a presença dos militares nas ruas e viabilizar um decreto de intervenção. Segundo a Procuradoria, a PM-DF contribuiu ativamente para criar esse caos.

Foi o que teria ocorrido em 12 de dezembro de 2022, durante os episódios de depredação e vandalismo nas ruas da capital, motivados pela prisão de um indígena bolsonarista que incitava resistência violenta contra a posse de Lula. A estratégia se repetiu em 8 de janeiro de 2023, mesmo com Bolsonaro já fora do poder. Naquele momento, a expectativa era de que as Forças Armadas, por iniciativa própria ou se convocadas, fossem às ruas para “garantir a lei e a ordem”, abrindo caminho para seu eventual retorno ao poder. “Havia portanto alinhamento ideológico e de propósitos entre os denunciados [da PM do Distrito Federal] e aqueles que pleiteavam uma intervenção das Forças Armadas”, crava a Procuradoria.

Além de Vieira e Gonçalves, também são réus os coronéis Jorge Eduardo Naime (chefe do Departamento de Operações da PM em 8 de janeiro de 2023), Marcelo Casimiro Rodrigues (chefe de um dos destacamentos da PM na época) e Paulo José Ferreira Bezerra (subchefe de inteligência na ocasião). Esses cinco faziam parte da cúpula da corporação.

Há ainda dois outros réus: o major Flávio Silvestre de Alencar e o tenente Rafael Pareira Martins, que comandaram as tropas nas ruas durante a insurreição de 8 de janeiro. Segundo a Procuradoria, eram apenas 200 homens à disposição. Na posse de Lula, ocorrida uma semana antes, o efetivo era de 4,8 mil policiais.

A corregedoria da corporação, liderada por Siqueira, concluiu investigações paralelas às da PGR, mas poupou nomes como Gonçalves e Vieira, alimentando acusações de blindagem. Seria este o motivo para a PM não ter enviado ao STF, dentro do prazo, todos os documentos requeridos por Alexandre de Moraes? 

CartaCapital pediu esclarecimentos à comandante da PM sobre o envio de documentos e sobre o fato de o corregedor da polícia ter laços estreitos com um colega investigado pela Corregedoria, o coronel Vieira. Não houve resposta.

A reportagem também questionou Siqueira sobre sua relação com Vieira e sobre as conclusões das investigações internas que pouparam figuras próximas ao corregedor. Novamente, não houve resposta.

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