A recente liquidação do Banco Master pelo Banco Central (BC) traz à tona fantasmas do sistema financeiro brasileiro: a possibilidade de fraudes e irregularidades bancárias e a desconfiança na solidez do setor.
O caso do Master, o maior em volume de recursos — R$ 86,4 bilhões em ativos e mais de R$ 62 bilhões em depósitos elegíveis ao Fundo Garantidor de Créditos (FGC) — está longe de ser isolado. Ele se insere numa longa sucessão de crises geradas por um padrão de fragilidades que se repete no país.
Cada episódio tem suas particularidades, mas as causas costumam ser as mesmas: má gestão, manipulação de balanços, expansão temerária do crédito e a combinação de estruturas institucionais frágeis com fiscalização insuficiente.
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O que muda, ao longo das décadas, é o instrumento utilizado para conter o estrago — intervenção, liquidação, transferência de carteiras, programas de apoio ou reorganização. No fim da linha, porém, a conta tende a ser repartida entre o Estado, o FGC e, indiretamente, os próprios correntistas.
As fragilidades do sistema financeiro, já perceptíveis desde os anos 1980, tornaram-se explícitas e recorrentes após o Plano Real. Com o choque da estabilização em 1994, a hiperinflação deixou de funcionar como máscara para balanços frágeis e para sustentar bancos privados dependentes do ganho automático da correção monetária. Isso expôs problemas até então imperceptíveis no ambiente inflacionário.
Vieram à tona fraudes contábeis, crédito a empresas ligadas aos próprios controladores e práticas temerárias que permitiam que bancos estaduais funcionassem como caixas paralelos de governos locais. A quebra de grandes instituições escancarou a vulnerabilidade estrutural do setor e o risco de contágio sistêmico.
Para evitar um colapso que poderia comprometer a credibilidade recém-conquistada da moeda, o governo FHC criou, em 1995, o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), como uma resposta coordenada de grande escala para reestruturar o setor.
Paralelamente, o BC passou a usar o Regime de Administração Especial Temporária (Raet), que funciona como uma intervenção branda e temporária, e a liquidação seletiva para instituições médias e pequenas. E o FGC ampliou seu papel como amortecedor de crises, ganhando musculatura com a expansão do crédito e o aumento do número de bancos médios nos anos 2000 e 2010.
A seguir, um resumo dos principais episódios que marcaram esse histórico de resgates — alguns discretos, outros cinematográficos — que ilustram como a história tem se repetido.
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Banco Econômico, 1995: o estopim para o Proer
A queda do Econômico marcou a primeira grande crise bancária do pós-Real e abriu caminho para a criação do Proer. Ligado à família Magalhães, do então governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães, o Econômico estava entre os maiores bancos privados do país, mas se sustentava em uma carteira deteriorada, recheada de empréstimos a empresas do próprio grupo e operações mal lastreadas.
Com o fim da hiperinflação, as margens despencaram e revelaram a baixa eficiência do conglomerado. O rombo girava em torno de R$ 3 bilhões, um volume gigantesco para a época.
O banco recebeu assistência emergencial do BC, que, pressionado, intensificou a fiscalização. Inspeções identificaram manipulação de balanços, provisões insuficientes para calotes e manobras para ocultar prejuízos.
Com a confiança em queda e a saída acelerada de grandes depositantes, o Econômico entrou em rota de colapso. O desfecho veio em 11 de agosto de 1995, com a liquidação parcial seguida de intervenção. A parte “boa” dos ativos foi transferida para o Excel Econômico — depois incorporado pelo Banco do Brasil — enquanto os passivos problemáticos ficaram sob liquidação.
Banco Nacional, 1995: a implosão silenciosa do império Magalhães Pinto
A crise do Nacional se tornou o caso mais emblemático de fraude bancária da história brasileira. Fundado em Minas Gerais e controlado pela família Magalhães Pinto, também tinha lugar privilegiado no ranking das instituições privadas, com forte presença no varejo, cartões e crédito corporativo.
A perda de rentabilidade após o Plano Real já era conhecida, mas as fraudes contábeis reveladas pelo BC surpreenderam o mercado. Por trás dos números oficiais, o banco escondia uma carteira inflada por créditos duvidosos e operações internas com empresas do próprio grupo.
Contas fictícias, empréstimos rolados artificialmente e mais de 600 mil contas fantasmas usadas para mascarar perdas compunham o esquema. O rombo estimado variava de R$ 5 bilhões a R$ 10 bilhões, e auditorias falavam em até R$ 12 bilhões.
A revelação destruiu a confiança do mercado da noite para o dia. Grandes depositantes começaram a sacar recursos rapidamente, inviabilizando a operação. Em 18 de novembro de 1995, o BC interveio, transferindo a parte saudável ao Unibanco e deixando passivos e ativos irrecuperáveis sob liquidação, que duraria quase três décadas.
Bamerindus, 1997: “o tempo passa, o tempo voa”… até quebrar
O famoso bordão publicitário contrastava com a deterioração real do Bamerindus. Desde 1995, o banco enfrentava fuga de depósitos, deterioração da carteira e perdas crescentes com financiamentos concedidos durante a hiperinflação.
A expansão acelerada da rede, falhas de governança e problemas de capitalização agravaram o rombo. O banco era o quarto maior do país em número de agências, o que amplificava o risco de contágio.
Em março de 1997, o BC decretou intervenção. O custo da operação foi de R$ 3,7 bilhões à época, cerca de R$ 20 bilhões em valores atualizados.
Após 120 dias, se transformou no primeiro grande “case de sucesso” do Proer: a parte saudável foi vendida ao HSBC, que entrou definitivamente no varejo brasileiro.
A massa falida, porém, ficou mais de 15 anos em liquidação, concluída apenas em 2013, quando o espólio foi adquirido pelo BTG Pactual.
Banco Santos, 2004: finanças, arte e a estética do colapso
O colapso do Banco Santos ganhou contornos cinematográficos. Especializado em gestão de fortunas, construiu uma imagem sofisticada e chegou a administrar cerca de R$ 10 bilhões em ativos nos anos 2000. A fachada, no entanto escondia uma elaborada maquiagem contábil, créditos fictícios e triangulações financeiras.
As irregularidades, reveladas em 2004, mostraram rombo de R$ 2 bilhões a R$ 3 bilhões, que escancararam a insolvência do banco, liquidado em 2005.
A derrocada chamou atenção pelo contraste entre o buraco financeiro e o estilo de vida de Edemar Cid Ferreira, colecionador e mecenas e conhecido pelo seu perfil requintado.
Obras de arte, vinhos raros, móveis de design, carros de luxo e até itens arquitetônicos de sua mansão foram leiloados para pagar credores. O ressarcimento dos débitos por meio de bens pessoais do controlador configurou um episódio inédito na história das fraudes bancárias.
O caso também reforçou o papel do FGC num período em que bancos médios cresciam mais rápido do que a capacidade de supervisão.
PanAmericano, 2010: o banco do Silvio Santos e o maior resgate sem quebra
A crise do PanAmericano explodiu quando o BC descobriu fraudes contábeis ligadas à venda fictícia de carteiras de crédito. O banco registrava a venda, mas mantinha os créditos no balanço e contabilizava novas receitas.
O rombo inicial de R$ 2,5 bilhões exigiu socorro inédito do FGC. Meses depois, auditorias revelaram que o buraco superava R$ 4 bilhões. O episódio abalou a credibilidade da supervisão e ganhou grande repercussão política por envolver o grupo Sílvio Santos.
Em 2011, para evitar uma quebra desordenada, o banco foi vendido ao BTG Pactual, tornando-se posteriormente o Banco PAN. Foi o maior resgate da história recente sem liquidação — e um dos episódios que mais desgastou a supervisão na época.
Cruzeiro do Sul, 2012: a fraude que se repetia
O Banco Cruzeiro do Sul quebrou em 2012 depois que o Banco Central identificou um rombo contábil de cerca de R$ 1,3 bilhão, resultado de anos de práticas fraudulentas, principalmente na carteira de crédito consignado. Desde 2007, a instituição vinha inflando artificialmente seus balanços usando empréstimos fictícios, operações com “laranjas”, fundos vinculados ao próprio banco e emissão de títulos irregulares.
Quando o BC concluiu que não havia capital suficiente para cobrir o buraco — nem condições de reorganização — decretou a intervenção e afastou os controladores, revelando que os prejuízos totais ultrapassavam R$ 2 bilhões. O FGC assumiu a administração temporária na tentativa de encontrar um comprador, sem sucesso.
Os controladores Luis Octávio e Luis Felippe Índio da Costa foram indiciados pela Polícia Federal por gestão fraudulenta, falsidade contábil, manipulação de mercado e outros crimes financeiros. A CVM aplicou multas de R$ 500 mil a cada um por manipulação de ações. Os processos ainda não transitaram em julgado. Após mais de uma década da intervenção, o caso ainda gera desdobramentos judiciais e disputas financeiras.
Banco Rural, 2013: entre o Mensalão e a insolvência
O Banco Rural já acumulava prejuízos e insuficiência de capital quando o Mensalão expôs suas fragilidades. Sem comprador para a parte saudável, que praticamente não existia, o BC decretou liquidação direta em 2013.
Embora o BC tenha fundamentado a medida em problemas patrimoniais — como insuficiência de capital, prejuízos recorrentes e incapacidade de honrar obrigações —, o contexto regulatório estava profundamente contaminado pela descoberta de que o banco havia participado de operações irregulares usadas para viabilizar pagamentos ilícitos a partidos e parlamentares.
Com a liquidação, o banco deixou de operar e passou a ser administrado por interventores indicados pelo BC, enquanto seus ativos foram usados para tentar ressarcir credores.
A instituição já havia perdido credibilidade e enfrentava corridas silenciosas de clientes, o que agravou a falta de liquidez. Executivos do Rural — entre eles Kátia Rabello e José Roberto Salgado — foram condenados no processo do mensalão por gestão fraudulenta e crimes contra o sistema financeiro. Até hoje, a liquidação permanece em curso, com o processo de pagamento de credores e recuperação de ativos avançando lentamente.
Banco Master, 2025: o maior de todos
O Master teve liquidação extrajudicial em 18 de novembro de 2025, após investigações apontarem emissão de títulos fraudulentos e severos problemas de liquidez. A decisão veio um dia após a prisão do controlador, Daniel Vorcaro, na “Operação Compliance Zero”.
O crescimento do banco até então fora impulsionado por emissão massiva de CDBs de alta rentabilidade e captação agressiva por plataformas digitais.
Mais de 12 milhões de clientes foram afetados. O passivo já ultrapassa R$ 56 bilhões, sendo de R$ 41 bilhões a R$ 49 bilhões garantidos pelo FGC para proteger depositantes. O episódio expõe os limites da regulação diante de modelos financeiros agressivos e reforça o alerta sobre retornos acima do mercado que escondem riscos profundos.
