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O cancelamento do cartão de crédito de Alexandre de Moraes, que intensificou o debate sobre os limites da Lei Magnitsky no Brasil, está forçando os bancos a buscar soluções para o impasse jurídico.

As intituições precisam evitar sanções bilionárias no exterior sem, ao mesmo tempo, entrar em confronto direto com o Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente após a recente determinação do ministro Flávio Dino, proibindo a aplicação de leis estrangeiras que não tenham respaldo em acordos internacionais ou validação da Justiça brasileira.

Entre as estratégias avaliadas, um relatório do BTG Pactual que circula no mercado financeiro aponta que a legislação brasileira já prevê a possibilidade de encerramento unilateral de contas pelos bancos. Essa brecha pode ser utilizada para mitigar riscos de multas e bloqueios internacionais que ameaçam os ativos brasileiros.

“Dentro das faculdades de uma empresa privada, como um banco, ele pode sim cancelar unilateralmente uma conta”, afirmou à Gazeta do Povo uma fonte jurídica que preferiu não se identificar.

“Mas se isso for feito apenas para driblar uma decisão judicial, como a de Dino, pode gerar questionamentos legais. Essa estratégia funciona como uma solução provisória, um teste do setor.”

O advogado Massami Uyeda Júnior, do escritório Arap Nishi Uyeda, afirma que o encerramento unilateral de contas bancárias é assunto já decidido no STJ e outros Tribunais. “É possível desde que respeitado algumas previsões do Código de Defesa do Consumidor”, pondera. “No caso atual, pode ser uma saída pragmática para não se enfrentar a discussão sobre aplicação da extraterritorialidade das leis americanas por nacionais.”

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Com indefinição sobre Magnitsky, bancos adotam postura preventiva

Por se tratar de uma situação inédita no país, as instituições financeiras têm se empenhado em buscar pareceres de escritórios de advocacia americanos, apurou o Valor. Há pouquíssimos precedentes internacionais que sirvam de base, o que torna a situação nova e complexa para os bancos.

Para Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV, a Magnitsky ainda carece de clareza na aplicação. “Ela é recente, de 2012, alterada em 2016, mas não tem jurisprudência consolidada nem regras bem definidas, o que torna sua aplicação muito aleatória”, afirma. Segundo ele, o primeiro pilar da lei é o chamado US Nexus, que estabelece relações com agentes e pessoas nos Estados Unidos — conceito que, por si só, já gera dúvidas sobre como deve ser interpretado.

O segundo pilar é o chamado apoio material: o governo norte-americano pode entender que uma empresa ou indivíduo está apoiando alguém já sancionado, o que ampliaria as restrições. “Esse julgamento é subjetivo, e isso cria uma paralisia. Todo mundo está esperando mais informações para saber como agir”, completa Padovani.

Por ora, os bancos parecem mais dispostos a adotar uma postura preventiva, mas restritiva em relação à Magnitsky. Isso significa apenas encerrar contas de sancionados em suas subsidiárias nos Estados Unidos e bloquear cartões de bandeiras internacionais. No Brasil, essas bandeiras incluem as americanas Mastercard, Visa e Amex, além da brasileira Elo, controlada por Banco do Brasil, Bradesco e Caixa.

Moraes resiste a alternativas

O cancelamento do cartão de Moraes ocorreu exatamente porque a bandeira era americana, e não por conta das operações do Banco do Brasil nos Estados Unidos. Ao ministro foi oferecido um cartão Elo, que só permite compras nacionais e não realiza transações em dólares. Em tese, nada impediria que ele mantivesse sua conta nacional no BB, pela qual recebe seus salários.

Mas também há divergências a respeito. No regulamento da operadora, há um dispositivo que a impede de ter clientes sancionados pelo governo dos Estados Unidos, pela Organização das Nações Unidas (ONU), União Europeia e Reino Unido.

Moraes também foi aconselhado a considerar alternativas a bancos tradicionais. Dirigentes de instituições financeiras públicas e privadas teriam sugerido que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) abrissem contas em cooperativas de crédito para se protegerem das implicações da Lei Magnitsky. A recomendação, entretanto, foi descartada e não solucionaria o problema de Alexandre de Moraes nem de outros membros da Corte.

“Por enquanto, os departamentos jurídicos ainda não têm uma posição clara, e essa decisão não pode ser tomada apenas nesse âmbito. É um tema que precisa envolver também os conselhos de administração e as áreas de relações institucionais. Idealmente, a própria Febraban também deveria participar para que haja uma atuação coordenada do setor”, disse outra fonte.

Incerteza deve ter esclarecimentos dos EUA

Nesta sexta (22), o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu a decisão proferida nesta semana, que busca tornar a Lei Magnitsky sem efeitos no Brasil. A medida fez bancos brasileiros perderem R$ 41 bilhões em valor de mercado por receio de sanções dos Estados Unidos.

O próprio Moraes havia reafirmado a atitude do colega na quarta (20). “Agora, da mesma forma, se os bancos resolverem aplicar a lei internamente, eles não podem. E aí eles podem ser penalizados internamente”, disse em entrevista à Reuters.

A Gazeta do Povo apurou que o Departamento de Estado e do Tesouro estão conversando sobre como cobrar uma aplicação mais efetiva das sanções. Isso pode envolver a publicação de uma circular por parte deles ou até a notificação direta de bancos constituídos nos Estados Unidos, como BB América e Itaú. Mas ainda não há prazo.

As operadoras de cartão foram procuradas pela Gazeta do Povo, mas não houve resposta. Os bancos brasileiros consultados têm reafirmado que não comentam sobre situação de correntistas sob argumento do sigilo fiscal. A Febraban também já informou por nota que não vai se manifestar.

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