Banco público de Sergipe cria loteria estadual que oferta 'tigrinho' e apostas esportivas – CartaCapital

À luz das discussões sobre o endividamento e os vícios causados pelas bets, o Banese, banco do Estado de Sergipe, tirou do papel a sua própria bet e tem oferecido, desde a última segunda-feira 26, serviços de apostas esportivas e cassinos virtuais, a exemplo do famoso jogo do tigrinho. Trata-se da primeira instituição financeira pública a gerir esse tipo de iniciativa.

A criação da Lotese (uma subsidiária do Banese) começou a ser gestada há quatro anos, após a Assembleia Legislativa aprovar um projeto que permitiu ao Executivo estadual gerir sua própria loteria. O texto baseava-se em decisão do Supremo Tribunal Federal de 2020, a estabelecer que a exploração econômica dos serviços não deveria ficar concentrado nas mãos da União.

No ano passado, o governador Fábio Mitidieri (PSD) propôs modificar a lei de 2021 para permitir que o Banese atuasse no planejamento, organização e exploração da loteria estadual. Para isso, poderia criar uma subsidiária, optar por uma holding de participações ou integrar uma estrutura societária. A proposta ainda concedeu à Agrese, agência reguladora estadual, o poder de fiscalizar as operações.

O nascimento oficial da Lotese ocorreu no início de fevereiro, conforme registrou a instituição em comunicado aos seus acionistas. No documento, também foi anunciada a celebração de um “acordo para parceria estratégica” com o consórcio Culloden e TSA Informática para gerir os serviços da loteria estadual. O contrato tem duração de vinte anos.

Mas a plataforma só saiu do papel definitivamente na última segunda-feira. Ao apresentar a iniciativa, o presidente do Banese, Marcos Queiroz, comemorou: “A Lotese vai possibilitar que os sergipanos tenham acesso a jogos seguros, com toda a transparência e fiscalização necessárias. Os recursos arrecadados serão investidos no desenvolvimento e na melhoria da qualidade de vida do nosso povo”.

A nova empresa atuará nos 75 municípios de Sergipe com mais de 600 tipos de jogos nas modalidades de cota fixa (jogos online), prognóstico numérico (quando o apostador tentar acertar os números que serão sorteados) e instantâneos (conhecidos como “raspadinhas”). O Banese garante que apenas pessoas que estiverem o estado poderão ter acesso aos jogos online.

Cerca de 5% dos valores arrecadados devem ser obrigatoriamente destinados ao Estado. A divisão sobre a receita líquida obtida com as apostas acontecerá da seguinte forma, segundo o banco: 35% para a secretaria estadual de Inclusão e Assistência Social; 25% para Cultura; 25% para Esporte; e 15% para Meio Ambiente. Os prêmios não reclamados em até 90 dias também retornarão aos cofres públicos.

Entre os jogos ofertados pela Lotese está o Fortune Tiger, conhecido como “jogo do tigrinho”, um caça-níquel online desenvolvido pela empresa maltesa PG Soft. Apesar da origem internacional, ele tem sido amplamente promovido no Brasil por influenciadores digitais, muitos dos quais são investigados por envolvimento em supostos esquemas criminosos relacionados à divulgação e promoção do jogo.

Sediada em Malta, um país insular da Europa, a PG Soft não consta da lista de empresas autorizadas pelo Ministério da Fazenda a atuar no setor de apostas – Repdorução/Lotese

O game – lançado em 2016 e que possui cores bastante chamativas, uma alegre música oriental e um carismático tigre animado – era ilegal no País até dezembro de 2023, quando o Congresso Nacional liberou essa modalidade apenas para celulares.

O jogador não faz nada além de apertar um botão, que gira três “rolos” na tela — cada um com símbolos diferentes, como tangerinas, potes de ouro ou joias. Quando eles param de girar, é possível ver nove símbolos na tela, exibidos em três linhas com três colunas. Caso ocorra o alinhamento de três símbolos semelhantes, o jogador ganha um pouco de dinheiro – ou seja, “o tigrinho soltou a carta”.

Além disso, o game possui multiplicadores aleatórios. Às vezes, o jogador é brindado com “presentes” e seu lucro pode ser multiplicado por dez vezes – um dos grandes atrativos do jogo, conforme ressaltam influencers que promovem o jogo nas redes sociais. Essa divulgação fez com que o Fortune Tiger chegasse a milhões de brasileiros em todo o País, colocando inúmeras pessoas sob risco de golpes virtuais.

Para o deputado estadual Georgeo Passos (Cidadania-SE), a oferta desses jogos na loteria de Sergipe é uma “armadilha digital’. Ele afirmou que a plataforma lançada pelo Banese é diferente do que previa o projeto aprovado na Assembleia Legislativa. “Isso é arrecadar às custas do sofrimento alheio. Pessoas estão perdendo seus bens e o governo do Estado quer levar mais pessoas para o buraco”, pontua.

Sediada em Malta, um país insular da Europa, a PG Soft, dona do jogo do tigrinho, não consta da lista de empresas autorizadas pelo Ministério da Fazenda a atuar no setor de apostas. Relatos de usuários da plataforma ao site Reclame Aqui ilustra a preocupação do parlamentar: “Joguei o jogo e a plataforma não me pagou”, diz um internauta. “Conseguiram acabar com a minha vida”, emenda outro.

Também estão disponíveis na Lotese jogos como Fortune Dragon, Fortune Rabbit, Ratinho Sortudo e Jeitinho Brasileiro.

Segundo o banco do Estado de Sergipe, as modalidades ofertadas na plataforma “atendem às determinações das Leis Federais 13.756/2018 e 14.790/2023″. Além disso, afirma que adota ferramentas para prevenir o vício, como “ferramentas de autolimite e exclusão” e “materiais educativos nos canais físicos e digitais”.

Na economia do País e das famílias, as consequências das chamadas bets e de jogos como o do tigrinho estão aparecendo e causando preocupação: elas vão do aumento do endividamento e diminuição de recursos para itens básicos ao adoecimento mental e até suicídio. Em abril, o Banco Central informou que os brasileiros gastam de 20 bilhões a 30 bilhões de reais, por mês, com apostas online, em 2024.

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