Em setembro de 2021, no ano em que se completou o centenário de Paulo Freire, a Barra Funda, na zona oeste da cidade de São Paulo, ganhou um mural do pedagogo e filósofo pernambucano. Quase cinco anos depois, no entanto, a obra na lateral de um prédio na avenida Pacaembu está desgastada e precisa passar por restauração.
Para que o trabalho seja realizado, os responsáveis, em parceria com a Ação Educativa e o Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Terra (MST), iniciaram uma arrecadação online de dinheiro para arcar com os custos.
O artista visual Raul Zito, responsável pelo mural, afirma que a restauração é “importante para que a gente continue cravando a ideia de que o Paulo Freire é uma referência importante na luta por direitos humanos e na luta pela educação, principalmente nessa crescente intensa e contínua da extrema direita”.
Raul Zito ainda afirma que a obra “nasce dentro de uma disputa histórica pelos símbolos que a gente quer manter no espaço público, com imagens e referências simbólicas da nossa visão de mundo”, o que aumenta a importância da restauração.
“A maioria dos meus trabalhos fala um pouco sobre a disputa de narrativa, uma disputa pela história, sobre erguer as nossas bandeiras e os nossos símbolos de quem a gente acha importante em termos de referência, de legado, de ideia, de cosmovisão”, diz o artista visual. “Os murais na cidade não são apenas um embelezamento do espaço público, mas também uma bandeira de visão de mundo, de um pensamento político.”
Apesar de ter sido finalizado em 2021, a ideia de fazer o mural, que mistura fotografia e pintura, surgiu em 2018, quando o então candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro (PL) afirmou que expurgaria a “ideologia de Paulo Freire” da educação caso fosse eleito.
“Eu me relaciono com o legado do Paulo Freire há muito tempo, mas eu tive certeza de que eu ia fazer um mural quando o Bolsonaro disse, numa campanha, que ia expurgar o legado de Paulo Freire das escolas do Brasil. Aquilo foi muito marcante para mim. Achei que eu precisava agir com uma resposta a isso”, afirmou.
Em 2021, a obra foi realizada com recurso do Museu de Arte de Rua (MAR), da Prefeitura de São Paulo. No entanto, a Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa informou que, “como é previsto na minuta do edital, o programa MAR não prevê restauração de obras já realizadas, visto que os murais produzidos têm como característica principal a efemeridade, portanto não faz parte do programa orçamentário da prefeitura”.
Além do mural com a imagem de Paulo Freire, Raul Zito também é o artista responsável por outros murais em homenagem a Marielle Franco, Nego Bispo, Carolina Maria de Jesus, Lia de Itamaracá e Zé Celso.
As informações para contribuir com a iniciativa estão no perfil do artista Raul Zito, no Instagram.
Quem foi Paulo Freire?
Nas palavras de Raul Zito, “Paulo Freire é um dos grandes ícones do campo da esquerda progressista e humanitária. É um símbolo de toda uma cultura latino-americana. Tudo o que a gente conhece da história do Paulo Freire e do legado dele é uma maneira de ver o mundo que ele expressa por meio da pedagogia”.
O educador pernambucano revolucionou a pedagogia ao desenvolver um método de alfabetização voltado para adultos, especialmente trabalhadores e pessoas em situação de vulnerabilidade. Suas ideias começaram a ganhar destaque em 1961, quando, como diretor do Departamento de Extensões Culturais da Universidade do Recife, organizou um grupo de educação popular que alfabetizou 300 cortadores de cana em apenas 45 dias.
Atuando no Movimento de Cultura Popular (MCP), Freire acreditava na educação como ferramenta de emancipação, utilizando os chamados “círculos de cultura” para promover a alfabetização e a politização dos trabalhadores. Um dos marcos de sua trajetória foi a experiência de Angicos, no Rio Grande do Norte, em 1963. Ali, cerca de 300 trabalhadores foram alfabetizados em apenas 40 horas de estudo, a partir de palavras do cotidiano, como “tijolo”, que serviam como ponto de partida para reflexões mais amplas sobre o mundo.
O sucesso do método levou o então ministro da Educação Darcy Ribeiro a convidar Freire para desenvolver um programa nacional de alfabetização, que foi lançado oficialmente em 1964 com a ambiciosa meta de alfabetizar 1,8 milhão de brasileiros em seu primeiro ano, utilizando o “sistema Paulo Freire”. A proposta, no entanto, foi interrompida pelo golpe militar de 1964, que perseguiu Freire e o forçou ao exílio.
Apesar da repressão, Paulo Freire continuou sua trajetória no Brasil e no exterior, influenciando gerações de educadores. Décadas depois, voltou a atuar diretamente na educação pública ao assumir, entre 1989 e 1992, a Secretaria de Educação da cidade de São Paulo durante a gestão de Luiza Erundina. Sua influência na promoção da participação popular dentro das escolas ainda perdura na rede municipal.