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Apesar da apreensão do setor antes do início do tarifaço dos EUA, as exportações brasileiras de carne bovina têm apresentado aumentos expressivos mesmo após a vigência das novas tarifas. A preocupação se justifica pelo fato de que, até o ano passado, o mercado americano era o segundo principal destino externo da proteína brasileira.

No fim de julho, o presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), Roberto Perosa, chegou a afirmar que o setor poderia perder até US$ 1 bilhão somente em 2025 com a tarifa anunciada pelos Estados Unidos.

E de fato as vendas para os EUA caíram após a sobretaxa, mas o comércio de carne bovina com outros países mais que compensou essa perda.

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De acordo com dados parciais do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), no entanto, os embarques internacionais da proteína fresca, refrigerada ou congelada do Brasil renderam uma média diária de US$ 74,55 milhões até o dia 25 de agosto. 

O valor representa alta de 70,1% em relação ao mesmo mês de 2024, quando foram vendidos ao exterior US$ 43,83 milhões por dia. Para se ter uma ideia, o aumento de US$ 30,71 milhões diários é o maior em termos absolutos da pauta de exportações da indústria brasileira. 

Com isso, a participação da carne bovina no total de vendas externas brasileiras saltou de 3,35% em agosto de 2024 para 5,22% no mesmo mês deste ano, considerando o período até o dia 25. 

Em termos de volume, o Brasil exportou em média 13.307 toneladas por dia nos primeiros 25 dias do mês. No ano passado, a oferta de proteína bovina brasileira no mercado global foi de 9.882 toneladas diárias, o que significa um aumento de 34,7% neste ano, na comparação anual, e uma alta de 26,3% na cotação do produto por tonelada (US$ 4.435,40 em agosto de 2024 e US$ 5.602 em agosto de 2025). 

Entre os produtos brasileiros do setor agropecuário mais exportados para os Estados Unidos, a carne bovina é a segunda colocada, atrás apenas do café. 

O analista de mercado João Otávio Figueiredo, head de pecuária da consultoria Datagro, explica, no entanto, que, embora os Estados Unidos sejam um dos mercados externos mais relevantes para a carne bovina brasileira, o tarifaço ocorre em um momento em que o setor, por um lado, volta seus embarques para a China e, por outro, avança na diversificação dos demais destinos. 

Entre janeiro e julho deste ano, o Brasil exportou 1,56 milhão de toneladas da proteína bovina globalmente. Desse montante, 790,1 mil toneladas (50,5%) foram para o gigante asiático, enquanto os americanos compraram 169,2 mil toneladas (10,8%), de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC). 

“As vendas de carne para os Estados Unidos representam 4% de toda a produção de carne brasileira. É um volume importante? É, mas não é tão expressivo quanto [os embarques para] a China, que, caso tivesse o mercado fechado, seria realmente muito complicado”, diz. 

Nesse sentido, explica Figueiredo, o mercado norte-americano é mais dependente da importação do produto do Brasil do que a indústria brasileira das exportações para os EUA.

O Brasil tem uma cota anual de exportação de 70 mil toneladas de proteína bovina isentas de tarifa – volume alcançado em menos de um mês este ano. Acima disso, incidia sobre a carne uma taxa de importação de 26,4%, que, com o tarifaço, agora chega a 76,4%, inviabilizando qualquer negociação. 

“À medida que os Estados Unidos aceleram a compra de outros fornecedores, como Austrália e Argentina, reduzem-se as exportações desses países para a China, abrindo mais espaço para o produto brasileiro no mercado chinês”, diz o analista.

Com tarifaço sobre carne bovina brasileira, preços disparam nos Estados Unidos

Embora ainda vendam parte de sua produção para outros países, os Estados Unidos, que já foram os principais exportadores de carne bovina do mundo, enfrentam uma crise no setor pecuário, com o menor estoque de rebanho em 70 anos. 

O quadro não é exclusivo do país. Na União Europeia, o estoque está em sua mínima histórica em quatro décadas. “Hoje o rebanho comercial bovino é de 585 milhões de cabeças, mais cerca de 300 milhões que ficam na Índia que não são considerados comerciais por causa da religião hinduísta, que impede o abate”, conta Figueiredo. “A gente nunca teve tão pouco boi no mundo.”

“É uma situação de escassez global de boi e consequentemente de carne. Nos próximos anos provavelmente haverá muitas mudanças no complexo de proteína animal, e o Brasil está muito bem posicionado nesse mercado”, define.

O aumento das tarifas sobre a carne brasileira que entra nos EUA acabou afetando principalmente o consumidor americano, onde os preços dispararam nos últimos meses, alcançando a máxima histórica em julho. 

O Brasil é a origem de 26,6% de toda a importação de carne bovina dos EUA, de acordo com dados do Departamento de Agricultura americano (USDA, na sigla em inglês).

Segundo o Departamento de Estatísticas do Trabalho dos EUA (BLS), o preço médio da carne moída ao consumidor chegou a US$ 6,504 por libra (cerca de 453 gramas) – o equivalente a R$ 77,71 por quilo, no câmbio atual. Em janeiro, estava em US$ 5,82/lb (R$ 69,54/kg), o que significa uma alta de 11,75% em seis meses.

Para fins de comparação, a inflação do país acumulada em 12 meses até julho é de 2,7%, segundo o BLS. 

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Conforme relatos de representantes de frigoríficos brasileiros, embora os embarques para os Estados Unidos estejam suspensos, há importadores americanos que já consideram importar a carne do Brasil mesmo com a sobretaxa de 50%.

“Tem gente fazendo cálculos para ver se fecha a conta com a tarifa de 76,4% para tentar embarcar”, diz o analista da Datagro.

Após tarifaço, México passou a ser segundo maior importador de carne bovina do Brasil

As exportações de carne bovina para os Estados Unidos já recuam desde o início da vigência da tarifa adicional de 10% sobre produtos brasileiros. Depois de somar 44,2 mil toneladas exportadas em abril, volume recorde para um mês na relação entre os países, o setor embarcou 22,5 mil toneladas em maio e 13,4 mil toneladas em junho.  

Em julho, com a importação de 12,7 mil toneladas, os EUA foram superados no ranking de destinos da proteína brasileira pelo vizinho México, que recebeu 15,6 mil toneladas. No ano passado, o país latino era apenas o décimo colocado.  

Segundo Figueiredo, parte da carne brasileira comprada pelo México é processada na agroindústria local para ser internalizada pelos Estados Unidos.  

Em agosto, até o dia 25, o Brasil enviou 7,8 mil toneladas de carne para o mercado americano, enquanto o México já havia importado 10,2 mil toneladas, segundo a Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne (Abiec).

Com isso, os americanos já foram superados, neste mês, também por Rússia e Chile, ambos com 7,9 mil toneladas. 

A China, por sua vez, trouxe boas notícias para o setor brasileiro ao anunciar a prorrogação de uma investigação de salvaguarda sobre as importações de carne bovina, no último dia 6 – mesma data em que os EUA aumentaram a tarifa sobre produtos brasileiros.

Iniciada em dezembro de 2024, a investigação de salvaguarda é um mecanismo utilizado quando um país identifica um aumento acentuado nas importações de determinado produto, com potencial prejuízo à indústria doméstica.

A medida, que poderia culminar na aplicação de tarifas pela China ou na criação de cotas para limitar as importações, gerava forte expectativa no mercado global. No dia 6, o Ministério do Comércio chinês anunciou a prorrogação da investigação por mais três meses, com prazo final previsto agora para o dia 27 de novembro. 

“É uma sinalização muito importante de mercado, de que eles não estão querendo fechar a porta agora: ‘Os Estados Unidos estão fechando? Então, por favor, mande carne para cá’”, explica o analista da Datagro.

Brasil exporta carne bovina para 134 países

Em outra frente, o Brasil avança na conquista de novos destinos para a produção pecuária. Em pouco mais de dois anos, o setor de carne bovina conquistou 17 novos mercados internacionais para a venda de seus produtos. No ano passado, a carne bovina brasileira chegou a 134 destinos, segundo o MDIC. 

O México, que hoje figura entre os principais importadores, passou a comprar carne bovina brasileira apenas em março de 2023, após 12 anos de negociações. Em agosto do mesmo ano, passaram a permitir a entrada do produto brasileira a República Dominicana e Singapura. 

No ano passado, o governo brasileiro anunciou a abertura do mercado para exportação de carne bovina com osso para o Egito e de cortes bovinos desossados para Papua Nova Guiné. 

Em 2025, foram 12 novos destinos autorizados: Quênia, em janeiro; Butão e Suriname, em fevereiro; Bósnia e Herzegovina, Sarawak (estado da Malásia com certificação própria) e Vietnã, em março; Bahamas, em maio; El Salvador, em julho; Filipinas, Indonésia e São Vicente e Granadinas, em agosto. 

Com a obtenção recente do status de país livre de febre aftosa sem vacinação, o Brasil espera abrir em breve o mercado japonês para exportação de carne bovina, uma habilitação desejada há mais de 20 anos pelo setor. 

Desde 2023, compra da agroindústria brasileira carne bovina enlatada e extrato de carne bovina. Em 2024, o Japão importou 526,2 mil toneladas do produto, principalmente da Austrália e dos Estados Unidos.

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