Muito já se escreveu sobre o papel da militância de esquerda que em pouco tempo, entre o primeiro e segundo turno das eleições legislativas na França, saiu às ruas, de porta em porta, e conseguiu que a Nova Frente Popular conquistasse a maioria das cadeiras do Parlamento francês e impusesse uma derrota à extrema-direita, que ficou em terceiro lugar no segundo turno, atrás da coligação de centro-direita do presidente Emmanuel Macron. É claro que este não foi o único fator da virada nos resultados do segundo turno, mas teve um papel relevante.
Desse processo, temos lições a tirar. A primeira, que não traz novidade, é que a militância do PT e dos partidos de esquerda tem de retomar seu espaço nas ruas, mostrar a sua cara e manter uma atuação onde a militância virtual, nas redes, é combinada, em igual medida, com a militância nas ruas. A segunda é que o combate à extrema-direita e ao neofascismo, que se expressa publicamente pelo bolsonarismo, tem que ser permanente.
É urgente que, passadas as eleições municipais, o PT e os partidos de esquerda iniciem uma campanha para convencer a sociedade de que tão importante quanto eleger Lula em 2026, ou o nome que ele venha a indicar como sucessor, é eleger conjuntamente uma bancada de deputados federais e senadores que deem suporte ao governo. Estamos vendo a enorme dificuldade de o presidente Lula governar com um Congresso Nacional de maioria conservadora.
Tenho dito, com frequência, que se trata de uma missão quase impossível, que só pode de ser levada à frente pelo fato de nosso presidente ser um gênio da política, mas obrigado, nessas circunstâncias, a concessões que comprometem, em alguma medida, os objetivos do governo – e também os compromissos assumidos em sua eleição em 2022, possível a partir da formação de uma frente entre vários partidos políticos e setores da sociedade brasileira.
Quando me refiro a Lula como gênio da política, estou falando de sua capacidade de articulação, e não de sua liderança, experiência, força eleitoral e apoio internacional.
É preciso ter visão de médio e longo prazo e insistir na reforma política. Não é possível o Brasil continuar a ser um dos únicos países com voto unipessoal
O convencimento da sociedade brasileira sobre eleger o próximo presidente juntamente com uma base parlamentar que garanta suas propostas de governo será vital para o país avançar em políticas que garantam o seu crescimento nos próximos anos. De nada adianta eleger um presidente progressista com um Congresso conservador, pois o Brasil continuará patinando.
Sem crescimento, torna-se muito difícil desconcentrar a renda que, por sua vez, é fundamental para acionar o motor do crescimento continuado do país. Caso contrário, vamos viver a situação de outros países da América Latina, que têm registrado crescimento continuado nos últimos anos, como Chile e Peru. Só que é um crescimento para cima, que não distribui renda.
Paralelamente à missão de fazer a sociedade entender que um presidente eleito precisa da maioria parlamentar, temos que colocar na agenda permanente de discussão a necessidade de uma reforma política, que inclui a reforma eleitoral.
Os partidos de direita mudaram de qualidade ao se organizarem e assumirem, publicamente, seus programas conservadores e liberais. É urgente, portanto, ao lado da luta pela reforma política, fazer uma renovação de nossos partidos.
Não será tarefa fácil fazer a reforma política, pois quem terá de aprová-la são os mesmos parlamentares que se beneficiam do cenário atual de emendas impositivas que consomem parte relevante da execução orçamentária, antes atribuição quase exclusiva do Executivo. Mas também não é uma missão impossível. Em 1987 e 1988, quando eu mencionava em debates públicos que iríamos eleger Lula presidente da República, muita gente me considerava um lunático. Em 2002, elegemos Lula presidente da República pela primeira vez. Hoje, está no terceiro mandato.
É preciso ter visão de médio e longo prazo e insistir na reforma política. Não é possível o Brasil continuar a ser um dos únicos países com voto unipessoal – o eleitor voto no candidato, não vota no partido ou na lista partidária ou no distrito –, o que encarece demasiadamente as eleições, torna o parlamentar eleito mais sujeito a pressões do poder econômico e enfraquece o sistema partidário, pois cada candidato disputa com outro do próprio partido.
O voto uninominal é incompatível com o voto de legenda e com a exigência de filiação partidária para ser candidato, próprios do voto em lista partidária. Quando se vota em lista partidária, é feita uma consulta aos filiados que definem quem deve constar da lista.
Não é possível também ter uma composição da Câmara dos Deputados que não é proporcional ao número de eleitores de cada estado (a composição atual estabelece um mínimo de oito representantes por estado e um máximo de 70, independente do tamanho da população de cada estado e do Distrito Federal); isto, em um cenário onde não se exige fidelidade partidária.
Para piorar a legitimidade do nosso sistema político, o Senado, que possui poder revisor, também tem iniciativa legislativa. Isso faz com que o Senado, em muitas situações, tenha mais poder do que a Câmara dos Deputados. Além disso, o Senado tem uma representação popular ainda mais distorcida do que a da Câmara: 25% dos eleitores de 14 estados, por meio dos senadores que elegeram, têm maioria na Casa, já que o número de senadores é igual para cada estado, independentemente da quantidade de eleitores de cada unidade da federação. Essa é uma das execráveis heranças da ditadura, ao lado do voto uninominal e do piso e teto da representação dos estados na Câmara dos Deputados.
Por tudo isso, nossa palavra de ordem tem de ser levantar a bandeira de ampliar a bancada progressista de deputados e senadores, em 2026, para garantir a governabilidade ao futuro presidente. É uma tarefa que só será cumprida pela atuação permanente e combativa da liderança progressista.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.