A disparada do dólar desde o fim de novembro pode ser parcialmente explicada por fatores concretos, como as incertezas em torno das economias norte-americana e chinesa. Há também, contudo, uma evidente dimensão especulativa. A avaliação é do economista Fernando Sarti, livre-docente do Instituto de Economia da Unicamp. Para ele, o movimento observado nas últimas semanas pode inclusive já ter atingido o seu pico.
Às 14h, a moeda americana registrava queda de cerca de 2%, cotada a 6,14 reais, graças a dois leilões do Banco Central que injetaram 8 bilhões de dólares no mercado. Na máxima do dia, o dólar chegou a 6,30 reais.
O fato é que o dólar superou a temida barreira dos 6 reais pela primeira vez em 29 de novembro, em meio a uma suposta desconfiança do mercado financeiro sobre a capacidade do governo Lula (PT) de cuidar das contas públicas. O movimento ganhou força quando o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), apresentou seu pacote fiscal, ora desidratado pela Câmara dos Deputados.
“O mercado não recebeu bem a proposta fiscal, analisou que os riscos são crescentes e se projetaram expectativas muito negativas que bateram na desvalorização forte do dólar”, resumiu Sarti em entrevista ao canal de CartaCapital no YouTube nesta quinta-feira, 19. “Mas o quanto isso foi também sustentado por um oportunismo, uma especulação ou até um ataque espectulativo, é difícil avaliar.”
O economista projeta estarmos a caminho de um retorno à “racionalidade”, devido ao crescimento intenso da cotação do dólar em um curto período e à reação do BC. Não é possível, contudo, descartar o risco de uma repetição, seja por fatores externos ou por pressão doméstica — por exemplo, com a decisão da Câmara dos Deputados de desidratar as medidas do plano fiscal de Haddad.
“Devemos trazer isso para um patamar mais baixo, algo em torno de 6 reais ou um pouco menos. Talvez não em 2024, mas é a expectativa para 2025”, diz Sarti. “Não acredito que teremos um novo repique. Acho que há uma tendência a normalizar esse surto especulativo.”
A alta do dólar gerou tamanha repercussão que parte da sociedade pode ter a impressão de haver um cenário de deterioração econômica ou de terra arrasada. A sensação contrasta com bons indicadores econômicos, como a previsão de crescimento do Produto Interno Bruto, o mercado de trabalho e a diminuição da pobreza.
“Os resultados que a economia apresenta em 2024 são muito positivos”, acrescenta Fernando Sarti. “Taxa muito baixa de desemprego é uma questão importantíssima, com melhoria de bem-estar. E a taxa de crescimento [do PIB] não é explosiva, longe disso. Não há nenhuma aceleração nesse crescimento que sinalize uma demanda explosiva e que, portanto, seria inflacionária.”
A mais recente edição do Boletim Focus, divulgada na última segunda-feira 16 pelo Banco Central a partir de consulta a analistas do mercado financeiro, prevê um crescimento de 3,42% do PIB neste ano e de 2,01% para 2025. Para a inflação, a expectativa é de 4,6% em 2024 (um pouco acima do teto da meta, de 4,5%) e de 4% para o ano que vem.
Já o próprio BC atualizou sua estimativa de crescimento econômico neste ano para 3,5%, segundo o Relatório Trimestral de Inflação publicado nesta quinta-feira.